Do colapso da ponte de Entre-os-Rios, faz hoje nove anos, em Castelo de Paiva só resta a profunda saudade dos 59 mortos. Pouco mais. A Justiça cumpriu o seu papel e encerrou o turbilhão emocional, mesmo com o ónus de ter falhado. A vida exige olhar em frente.
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As duas filhas de Dilma Faria, auxiliar de educação, moradora de Oliveira do Arda, Raiva, Castelo de Paiva, tinham dez e 14 anos quando a ponte Hintze Ribeiro desabou, às 21.05 horas, naquele tempestuoso domingo de 4 Março de 2001, levando para sempre os pais de Dilma e mais sete sobrinhos desta mulher.
"Hoje as minhas filhas são mulheres adultas e o que mais custa é estarem longe de casa. O tempo corre depressa", reconhece Dilma, que continua a dedicar parte de si às crianças que frequentam o infantário do lugar de Oliveira do Arda. Esta freguesia de Castelo de Paiva registou o maior número das 59 vítimas mortais da tragédia rodoviária, sendo que 36 corpos nunca mais apareceram. Como foi o caso dos pais de Dilma Faria.
Apesar de não ter sepultado os restos mortais dos pais, Dilma tem uma lápide com as fotografias deles sobre o jazigo de família, no pequeno cemitério de Oliveira do Arda, mesmo ao lado do infantário onde trabalha. "Às vezes pega-me a saudade e venho meditar. Sei que os meus pais não estão aqui sepultados, mas é como se estivessem", explica.
"Caminhar em frente"
Os familiares procuram "caminhar em frente", sobretudo depois que terminou "o pesadelo da Justiça". "Aquele julgamento não poderia ter sido assim. Ficámos com a sensação estranha de que as vítimas são as culpadas, mas agora que o julgamento foi feito, tudo acabou. As pessoas desta terra não choram para fora, choram para dentro", desabafa.
Há momentos que não se apagam, mas há um esforço dos familiares para aliviar a tensão da memória, não fossem, agora, as tragédias da Madeira, do Haiti e do Chile devolver-lhes a lembrança da tragédia deles. "Nós sabemos muito bem o quanto custa perder a nossa gente e não recuperar os corpos. Sempre que vejo na televisão enxurradas, lamas, e corpos por aparecer na Madeira e noutros sítios arrepio-me. Lembro-me logo da nossa tragédia",diz.
No cemitério de Oliveira do Arda, encontrámos Maria de Jesus Matos, viúva, de 69 anos, que, há nove anos, perdeu nove primos e dois sobrinhos. Só apareceram os corpos de duas pessoas. Do que Maria de Jesus mais se lembra é que poderia ter sido uma das vítimas. "Tinha ido ver as amendoeiras em Janeiro e não quis ir naquele passeio. Isto custa muito, mas o tempo passa e as pessoas vão aceitando este destino", assegura.
Para esta mulher a ausência de corpos para sepultar é, também, ultrapassada pelas fotografias colocadas sobre os jazigos de família. Em muitos casos há fotografias de grupo, já que famílias inteiras desapareceram.
A Isabel Fernandes Alves, de 61 anos, a tragédia causou-lhe tanto mal que nunca mais foi a uma excursão. "Na noite em que a ponte caiu andou muita gente à minha procura, pensando que tinha ido ver as amendoeiras. Por sorte, ou sei lá porquê, não fui", recorda. Esta mulher perdeu dois primos.
