Um pequeno santuário montês de peregrinação, a Branda de S. Bento do Cando, em Gavieira, no concelho de Arcos de Valdevez, que ainda é utilizada para a pastagem de gado a grande altitude no tempo quente, começará a receber cientistas a partir de 2026.
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Os antigos quartéis de peregrinos da romaria de S. Bento, que decorre em três momentos do ano (21 de março, 3 de julho e 10 de agosto), mas agora quase em desuso para pernoita de romeiros, foram cedidos pela Igreja Católica para serem adaptados ao projeto de instalação de uma Estação Biológica Internacional, semelhante à criada num antigo celeiro da Empresa Pública de Abastecimento de Cereais, em Mértola. A estação científica em pleno Parque Nacional da Peneda-Gerês, onde os investigadores poderão viver em residências, será a segunda do país.
O futuro centro de investigação, cujas obras deverão arrancar em breve com a reconversão dos primeiros dois edifícios (um quartel e uma casa florestal do ICNF – Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas) até ao próximo ano, vai criar uma nova realidade em que ciência, fé e pastorícia vão conviver na branda situada a mais de mil metros de altitude.
As brandas são pequenos povoamentos usados para a transumância do gado para os pastos em altitude no verão, sendo que, pelo contrário, as inverneiras funcionam como locais de habitação permanente da população e dos seus animais, em locais mais resguardados, a baixa altitude, para resistirem ao inverno.
Peregrinos na romaria
Segundo o pároco de Gavieira, César Maciel, há, pelo menos, cinco famílias que continuam a utilizar a “aldeia de verão [branda]. Uma delas reside ali em permanência. Os edifícios que foram cedidos eram os que albergavam peregrinos durante a novena de S. Bento. Antigamente, a novena tinha um esquema em que as pessoas pernoitavam lá. Agora, alterou-se o esquema e a novena é todos os dias à noite, de modo que o número de pessoas que fica lá é muito reduzido”, explica o padre, adiantando que, por isso, os imóveis “praticamente não têm utilização”.
“No entanto, no acordo de cedência, há um dos edifícios que continuará a servir os peregrinos durante a romaria. Durante o ano, funciona para os cientistas e, durante o tempo da romaria, [entre os dias 3 a 11 de julho] para peregrinos”, sublinha ainda. Em causa estão sete edifícios, pertencentes à Fábrica da Igreja da Gavieira e um do ICNF, que serão alvo de intervenção em três fases, num investimento global de três milhões de euros.
Ecossistemas atlânticos
A Câmara de Arcos de Valdevez já lançou o concurso público para execução da primeira fase de obra, que envolve a recuperação de duas casas. O Município garante que a intervenção deverá estar concluída dentro de um ano. E, enquanto nasce a futura Estação Biológica Internacional num projeto do Biopolis-Cibio, os habitantes da Gavieira continuarão a subir a montanha para levar ali o gado a pastar.
“A branda ainda continua a ser utilizada como era anteriormente”, afirma o pároco da Gavieira. “O lugar de residência fixa é o Lugar da Igreja, mas, na branca, ainda mora em permanência uma família, porque tem bastante gado e a logística não lhe permite mudar para a inverneira”. César Maciel dá conta de que existem, ainda, “três ou quatro famílias que vivem no Lugar da Igreja durante o inverno e que, no verão, mudam-se para cima com os animais”.
O padre César considera que a chegada dos cientistas à aldeia de montanha irá “beneficiar a população”, nomeadamente ao nível de “infraestruturas de água e saneamento”, com a intervenção nos edifícios pertencentes à Fábrica da Igreja. “À partida, as pessoas encaram este projeto como uma forma de não ficar tudo fechado”, assinala, notando que “a ciência e a fé sempre conviveram bem”. “A capela [da aldeia] é de S. Bento, que foi um dos maiores impulsionadores da Cultura na Idade Média, por isso, aí não existe nenhum choque”, concretiza.
O director do BIOPOLIS-CIBIO, Nuno Ferrand, esclarece que a futura branda científica "vai debruçar-se sobre problemas e investigação e formação avançada na área dos ecossistemas atlânticos. O Parque Nacional da Peneda-Gerês é o nosso único parque nacional e é um exemplo do que são os ecossistemas e as florestas atlânticas que cobrem grande parte da Europa”.
A convicção é de que a estação de investigação internacional irá atrair não só cientistas e estudantes de doutoramento, pós-doutoramento, mestrado portugueses, mas também investigadores europeus, norte-americanos e africanos. “Terá uma visibilidade global”.