A paisagem da serra da Estrela, atingida pelo incêndio do ano passado, deixou de exibir o negro integral, mas, cinco meses depois, ainda nada foi feito. Na semana passada, reuniram-se em Manteigas os autarcas dos seis concelhos afetados pelo fogo, deflagrado entre 6 e 17 de agosto, para fazerem o ponto de situação e concluírem que, na maioria dos casos, só no início do mês que vem é que haverá trabalhos no terreno.
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Depois de assinados os contratos-programa em outubro entre o Governo e as autarquias, coube aos municípios preparar os cadernos de encargos, lançar os concursos e adjudicar as obras. A velocidade deste tipo de empreitadas está resumida na frase dita, em ambiente de derrocada, em Valença, pela ministra da Coesão, Ana Abrunhosa: "A expressão o homem sonha e a obra nasce é só no poema".
Em Vale de Amoreira, onde o fogo se reacendeu no dia 15 de agosto, a Junta de Freguesia tem pouco mais de 140 mil euros de financiamento do fundo ambiental e já com metade do valor nos cofres, incumbiu uma empresa de Belmonte de executar o projeto por ajuste direto. "Dentro de 15 dias começa o que já devia estar feito", disse ao JN, o presidente da Junta, Nuno Gonçalves.
No lugar onde ardeu cerca de 90% da mancha florestal que rodeia a povoação, já ocorreram enxurradas que provocaram o desabamento de terras. Houve lamas arrastadas para o rio Zêzere, o que pode acontecer de novo. "Chegámos a intervir em 20 ou 30 quilómetros de caminhos rurais , mas foi em vão, porque estava tudo tão frágil que a força da água apagou todo o trabalho", salienta o autarca de Vale de Amoreira, acreditando que agora consegue executar o projeto em quatro meses.
Guarda contra o tempo
"Ainda não aprendemos com os erros do passado", atira o presente da Câmara da Guarda, Sérgio Costa, incomodado com a demora burocrática para concretizar medidas consideradas urgentes. O município mais fustigado pelas chamas conseguiu obter financiamento de um milhão de euros para conter os solos nas encostas e 1,6 milhões para limpar as linhas de água.
"No primeiro caso, temos tudo adjudicado, mas os caminhos só vão ser arranjados na primavera e, no segundo, os concursos devem começar a ser lançados em fevereiro", precisou Sérgio Costa. " Também não podíamos avançar já porque os caudais neste momento vão muito elevados", justificou.
Já para a reposição de infraestruturas municipais, o fundo de emergência municipal só paga 1,5 milhões de euros. "É preciso lembrar que nesse capítulo tivemos perdas de oito milhões ", lamenta o autarca. "Agricultores e proprietários de casas ardidas ainda não receberam nada", disse por fim.
Em Manteigas, o trabalho nas encostas já podia ter começado, mas o presidente da Câmara, Flávio Massano, escolheu fazer concursos em vez de ajustes diretos. " Nunca sabemos o dia de amanhã", disse o jovem advogado que preside ao município. Apesar dos atrasos, será a autarquia que primeiro avançará. "No dia 19 [quinta-feira] a empresa vencedora de uma empreitada de quase meio milhão de euros está no terreno", afiançou Flávio Massano.
"Mais atrasado, ainda na fase de projetos, está o contrato-programa da Associação Portuguesa do Ambiente (APA), no valor de 900 mil euros, para desobstrução das linhas de água em Sameiro e Vale de Amoreira", sublinhou o autarca.
Pormenores
1250 operacionais estiveram mobilizados durante o incêndio, que pintou de negro as encostas da serra e afetou seis concelhos, sendo considerado o maior do ano e mais extenso dos últimos 47 anos.
28 mil hectares foi a área ardida durante o incêndio que lavrou entre 6 e 17 de agosto do ano passado na serra da Estrela. Foram 22 mil os que incidiram em área protegida do parque natural.