Espaço com 13 hectares em Vale de Milhaços está em processo de musealização.
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Ainda se sente o cheiro quando se entra na Fábrica da Pólvora de Vale Milhaços, Seixal. O recinto com 13 hectares está em processo de musealização e em breve deverá ser classificado de Imóvel de Interesse Público. O valor patrimonial é incalculável.
"Esta fábrica trabalhou 100 anos no circuito da pólvora negra", conta Francisco Moura, de 44 anos, que foi o impulsionador da recuperação das oficinas e equipamentos para que possam ser mostrados ao público.
Criado dentro da fábrica que data de 1898, Francisco era em 2001, ano em que parou a fabricação, o maquinista da máquina a vapor, a peça mais rara que existe naquele sítio. "É um caso singular no mundo por estar a funcionar e em bom estado de conservação", realça.
"Fui a única pessoa que nunca virou a cara a isto", regozija-se, lembrando que esta é das poucas fábricas que ainda está completa e sem peças reconstruídas. "Seria uma pena não se aproveitar. As pessoas quando aqui vêem ficam radiantes", refere também o irmão João António, de 57 anos, que era o fogueiro da fábrica.
Contratados pela Agência de Desenvolvimento Local para a Fábrica da Pólvora, os dois irmãos têm desde 2007 tratado dos equipamentos e recuperado as oficinas. "Tivemos de ver tudo ao pormenor", conta Francisco.
Funcionava como o coração O circuito está agora completo para ser visitável. O processo inicia-se no edifício principal, onde está instalada a máquina a vapor, com aspecto de nova, que alimentava os 23 edifícios da fábrica, interligados por um cabo teledinâmico. "Funcionava como o coração", diz Francisco Moura.
A caldeira também tinha um papel essencial. "O vapor alimentava a máquina e servia para secar a pólvora", refere João António Moura, recordando o cuidado redobrado do fogueiro.
A Fábrica da Pólvora de Vale Milhaços era bastante segura, tendo registado no máximo cinco acidentes. O mais grave, que resultou na morte de três pessoas, ocorreu em 1947. Foi nesse ano que a indústria foi reestruturada e as oficinas reconstruídas, mas distanciadas para uma explosão não afectasse todo o circuito.
Cuidado até na roupa
Tudo era pensado ao detalhe para evitar qualquer perigo. "Os trabalhadores tinham de andar nos passeios porque as areias podiam causar atrito", recorda Francisco. Os cuidados eram extensivos ao vestuário e ao calçado. "A roupa não saía do perímetro da fábrica. Os botões eram de cabedal e a roupa interior das senhoras tinha de ser só de algodão para não haver possibilidade de criar electricidade estática", acrescenta.
A pólvora circulava entre as oficinas numa vagoneta e por isso também não podia haver faísca na linha de transporte. "As rodas eram de bronze e o carril em aço. Era uma fábrica segura", conclui.
Por toda a história e valor patrimonial, a Câmara do Seixal, que faz parte da agência proprietária, quer musealizar o sítio.
"A ideia é abrir este espaço à população. O primeiro passo é a delimitação da zona especial de protecção", frisa Fátima Afonso, técnica do Ecomuseu Municipal, dizendo que, para além do circuito, deverá haver zonas de restauração, espaços verdes e um auditório.
Prestes a ser concluído, o processo de classificação da fábrica como Imóvel de Interesse Público foi iniciado em 1997 e recebeu o aval do Ministério da Cultura em 2007.