Dez anos depois da mudança, antigos comerciantes recordam Mercado do Bom Sucesso, no Porto, com saudades e amargura. São poucos os resistentes.
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Dos 120 comerciantes que existiam no antigo Mercado do Bom Sucesso, no Porto, há dez anos transformado em "mercado urbano" - uma enorme praça de alimentação com galeria comercial -, restam apenas dez, que tiveram, ao longo do tempo, de reinventar-se. Ainda tentaram evitar a entrega do mercado a privados com sucessivas providências cautelares, mas "a força do poder e do dinheiro" empurrou-os para a rua do cemitério de Agramonte. Num velho armazém de vinhos, vendem ainda hoje os seus produtos, essencialmente hortícolas, frutas e flores que eram a imagem de marca do Bom Sucesso.
Estão há dez anos ali, no intitulado Mercado do Bom Sucesso de Agramonte, e conseguiram "dar a volta a um destino incerto". Não querem ouvir falar de Rui Rio, o presidente da Câmara que os "obrigou a sair", mas agora também não querem abandonar a Boavista. "Nem que me dessem uma banca no Bolhão! Não ia. Não tarda muito, os antigos comerciantes do Bolhão vão ficar asfixiados pelas novas lojas e pelo inevitável aumento das rendas", refere Zulmira Rocha. Ela e Maria Poças são as únicas resistentes que vendem durante o dia diretamente ao público. Alexandra Oliveira também. Vende flores mas, ao contrário da patroa, nunca esteve no antigo Bom Sucesso, embora a banca seja de uma antiga vendedora do mercado. Os restantes comerciantes fazem revenda. "Não tinham outra alternativa, se não mudassem a forma de vender passavam fome". Mesmo assim, Alexandra ajuda-os e, na sua ausência, vende os produtos a quem chega.
Venda começa cedo
O dia ali começa cedo. "À uma da manhã já está aqui muita gente e muitos clientes a comprar fruta e legumes na revenda", diz Alexandra. Até às quatro da manhã o frenesim não pára. Depois, o mercado está aberto das 8 às 20 horas, à semana, e das 9 às 19 aos domingos.
No antigo edifício, inicialmente ainda ficou uma banca de frescos para perpetuar a memória junto de uma oferta mais "gourmet". Hoje, assume-se o perfil de centro comercial e em março passado a Câmara deferiu um pedido para a requalificação, que prevê a instalação de um total de 26 bancas e 40 lojas e restaurantes assim como um Continente Bom Dia.
"Nunca mais lá entrei. Nem à porta consigo passar. Vivi lá momentos muito bons, foi lá que criei os meus dois filhos mas a forma como fomos tratados deixou grande mágoa", diz Zulmira, que começou a trabalhar com 12 anos ao lado da mãe que, antes de inaugurar o mercado, em 1952, vendia na Cordoaria.
"Não costumava comprar lá, mas venho aqui. Gosto do atendimento, as pessoas são simpáticas e os produtos muito frescos", refere Eva Armanda, que com a filha compra flores. Muitos dos antigos vendedores aparecem por vezes no armazém "para matar saudades". Outros, "de velhice ou de dor" já morreram.
Discórdia
Uma mudança polémica
O Mercado do Bom Sucesso foi inaugurado em 1952, na zona da Boavista, no Porto, na altura em amplo desenvolvimento. O projeto pertenceu à ARS Arquitetos, de Fortunato Cabral, Cunha Leão e Morais Soares, numa conceção modernista muito semelhante ao seu congénere de Matosinhos, inaugurado no mesmo ano.
A perda de clientes e a degradação do imóvel levaram a que a Câmara do Porto, em 2009, na altura presidida por Rui Rio, aprovasse a entrega do Mercado do Bom Sucesso a uma empresa privada, a Eusébios, para a construção de um hotel "low cost".
O processo não foi pacífico com os comerciantes e a sociedade civil a unirem-se no movimento Mercado do Bom Sucesso vivo! Sucederam-se as providências cautelares, mas a obra acabou por acontecer em 2011.
Detalhes
Contrato inicial
O direito de superfície do Mercado do Bom Sucesso foi cedido, por 50 anos, à empresa Mercado Urbano (subsidiária da bracarense Eusébios & Filhos, SA).
Novos responsáveis
Mais tarde, a construtora Mota-Engil entrou no capital, mas em 2019 deixou de gerir o espaço, que agora está nas mãos de uma parceria entre a Mercado Prime, estrutura empresarial pertencente ao Grupo Amorim, e a Sonae Sierra.