Comércio definha na Baixa do Porto: "A minha loja é muito antiga e também tem os dias contados"
Somam-se os espaços fechados nas ruas 31 de Janeiro e Santo Ildefonso, que já foram das mais fortes no comércio da Baixa do Porto. Críticas às rendas altas.
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É como uma morte anunciada. Aos poucos, somam-se as lojas fechadas entre as praças dos Poveiros e de Almeida Garrett, no coração da Baixa do Porto. Ligadas pela emblemática Praça da Batalha, as ruas de Santo Ildefonso e 31 de Janeiro, que já fizeram parte do roteiro das compras dos portuenses, contam várias montras tapadas e portas trancadas.
Com quase meio século de existência, a Santil, que vende têxteis-lar e roupa interior, está prestes a juntar-se ao rol de estabelecimentos tradicionais que vão desaparecendo na Invicta. Um investidor comprou o prédio, junto à igreja de Santo Ildefonso, às portas da Praça da Batalha, está a fazer obras no edifício e já comunicou a Alberto Ribeiro que terá de deixar a loja. No mesmo imóvel, o café Bocage, que ali funcionou durante décadas, já foi despejado, conta o comerciante.
"Desprotegidos"
"A minha loja é muito antiga e também tem os dias contados. A lei das rendas é péssima. Estamos desprotegidos, porque não temos lei nenhuma que nos proteja", indigna-se o empresário. "Esta "lei do despejo" foi uma forma que encontraram para os senhorios fazerem as obras. E deram-lhes o rebuçado de poderem despejar para rentabilizar os edifícios por um valor mais alto. Despejam tudo", critica Alberto Ribeiro, que abandonará o negócio se for obrigado a deixar a loja.
"Não vou para mais lado nenhum porque não tenho como pagar estas rendas. A renda mais barata que encontrei em Santa Catarina foi de 12 mil euros. O resto, anda à volta de 20 mil. Nem os dois mil euros que o proprietário da loja diz que lhe dão consigo pagar aqui, porque o movimento não dá... Só trabalhava para o senhorio; nem pagava aos fornecedores", lamenta.
Quase ao fundo de 31 de Janeiro, Maria Santos teme que a sapataria - que tem a outra loja, na zona dos Clérigos, com um processo de despejo - venha a ter destino idêntico, e pressente que "está a prazo". "Tenho um contrato antigo, senão tinha fechado há muito tempo. O fator renda é muito importante, e estão altíssimas. Por isso as lojas abrem e fecham. As pessoas aguentam meio ano ou um ano, mas depois não conseguem mais. E, com as lojas fechadas, os clientes não vêm para aqui", queixa-se, prevendo que o futuro "vai ser uma desgraça".
Mais acima, os comerciantes vizinhos denunciam: "Compraram o prédio da Costa Braga e a loja vai fechar". A mais antiga casa da outrora concorrida Rua 31 de Janeiro - vende chapéus e bonés no número 194 há mais de 150 anos - está fechada, e será menos uma loja histórica na lista dos estabelecimentos protegidos no âmbito do programa municipal Porto de Tradição. O JN questionou a Câmara, mas não obteve resposta em tempo útil.
"Especulação"
Funcionária da vizinha joalharia Machado, Fernanda Magalhães aponta o dedo à "especulação imobiliária", enquanto o dono, Alexandre Machado, lembra que "a rua nunca recuperou do declínio e abandono que a Baixa sofreu nos anos 1990 e 2000, com perda de habitantes e de movimento". Joaquim Oliveira, que acaba de fechar a loja de chapéus fundada em 1866, lamenta: "Trabalhei ali 41 anos, e era uma rua estupenda".
Centenária e com o carimbo de loja tradição, a joalharia soma a vantagem de ser dona do espaço. Tal como a ourivesaria Brilhante, que, aos 109 anos, é o mais antigo negócio da Rua de Santo Ildefonso, com a terceira geração da família Pessoa ao leme. Da pequena mercearia em frente ao que resta do café Bocage, Manuel Rosa, 76 anos e com a segunda loja mais velha da zona, vê, desolado, que "a rua está pior". "Já foi uma das melhores da cidade, e está completamente abandonada. Era conhecida por "rua das gangas", e isso desapareceu tudo. Não há lojas de referência", observa Alberto Ribeiro. E lastima: "A rua não tem residentes, é tudo alojamento local".