São vários os imóveis que já fazem parte da paisagem da costa do Grande Porto que à luz das regras atuais seriam proibidos.
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Desde sempre a atração pelo mar foi forte e ali se construiu, o mais perto possível da água, em zona de cheia, sobre as dunas e as rochas. Atualmente as regras são apertadas e sobre muitos empreendimentos paira a ameaça da demolição. Outros ficarão para sempre, pois são já património e fazem parte da paisagem.
São construções de outros tempos, muitas permitidas com base no prestígio dos seus autores, na anuência de autarcas ao investimento imobiliário ou no gosto popular e religioso. E ao longo da costa do Grande Porto permanecem construções de empreendimentos de habitação quase em cima da praia, como em Azurara, Vila do Conde; nas rochas, como é a "inquestionável" Piscina das Marés, desenhada pelo arquiteto Álvaro Siza Vieira e inaugurada em 1966; a Sala de Chá do mesmo autor (1956), em Leça da Palmeira, e a sua vizinha capela da Boa Nova (século XIV) ou o Diana Bar (1938 e 1939), na Póvoa de Varzim, ou a capela do Senhor da Pedra em Miramar (1686), Vila Nova de Gaia.
"Imaginário de todos"
"A água está no imaginário de todos, e o mar não é exceção", diz Adriano Bordalo e Sá. É assim ao longo de séculos, por uma questão de sobrevivência, pois é no litoral que se encontram os campos mais férteis e onde são mais fáceis as trocas comerciais. "Mesmo antes de nascermos, estivemos nove meses envolvidos pelo líquido amniótico. As grandes cidades desenvolveram-se ao longo dos rios, lagos, estuários e zona costeira, facilitando a mobilidade de e para as urbes", acrescenta o biólogo e investigador do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS).
A partir do século XIX, o mar e a praia começaram a ser procurados para veraneio e foi nessa altura que a construção, limitada até então aos fortes que defendiam as barras e às modestas casas de pescadores, a avançou. Hoje, "o mar continua, cada vez mais omnipresente, mesmo quando as alterações climáticas facilitam a subida do nível das águas, entrando pelas casas a dentro". Para Bordalo e Sá, "a praia deixou de ser um sítio de lazer, onde as pessoas iam a banhos no verão, para passar a estatuto das elites, capazes de adquirir habitação a preços inflacionadíssimos, com janela para o mar".
São vários os atentados por este litoral fora, e o Grande Porto não é exceção. "Até ao século XIX, a costa era ocupada por pequenas comunidades piscatórias e pouco mais. Aliás, junto ao mar, não sobra uma grande variedade de heranças patrimoniais de tempos distantes: alguns lugares de culto (capelas e pequenos santuários), faróis para auxílio à navegação e fortalezas para defesa das embocaduras dos rios de ataques inimigos", explica o geógrafo Jorge Ricardo Pinto. O Programa Polis, criado em 2000, corrigiu algumas situações. Casas antigas de pescadores tiveram de desaparecer em Angeiras e Lavra (Matosinhos) mas também no litoral de Gaia, obrigando inclusive à demolição de cafés e esplanadas. E "algumas correções" nas praias de Azurara, Vila chã e Mindelo. Muitas alterações terão de ser feitas com o Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC). A população é hoje vigilante e somam-se os exemplos de obras travadas.
Detalhes
O que são os POOC
Os planos de ordenamento da orla costeira (POOC) estabelecem regimes de salvaguarda de recursos e valores naturais, através de princípios e normas orientadores e de gestão.
De Caminha a Espinho
Previamente à alteração do sistema de gestão territorial decorrente da publicação, em 2014, da Lei de Bases Gerais de Política Pública de Solos, de Ordenamento do Território e de Urbanismo, foram aprovados POOC para a totalidade da faixa costeira. O POOC de Caminha-Espinho (POC-CE) foi aprovado em Conselho de Ministros no passado dia 8.
Demolições no Norte
Na sua versão original, o programa no Norte previa a demolição de 34 edifícios e centenas de habitações. Na proposta da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) determinava-se a demolição de 34 edifícios, incluindo o Edifício Transparente, no Porto, que custou 7,5 milhões de euros, bem como centenas de casas de 14 núcleos habitacionais e vários restaurantes. Ocorreram, entretanto, correções.
Zonas de risco
A APA defende a retirada progressiva de edifícios que se encontram em risco ou ilegais nas praias da Amorosa, Pedra Alta (Viana do Castelo), Pedrinhas, Cedovém, Suave Mar, Ofir Sul (Esposende), Aver-o-Mar (Póvoa de Varzim) Congreira, Mindelo, Pucinho (Vila do Conde), Marreco (Matosinhos), Madalena, Valadares (Gaia) e Paramos (Espinho).