Santo Tirso, Valongo, Maia e Matosinhos associam-se pela despoluição e salvação do rio. Da nascente à foz, a ecologia também coexiste com um projeto político de coesão territorial.
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O rio cristalino e idílico que corria da nascente do Monte Córdova, em Santo Tirso, até ao mar, em Matosinhos, passando por Valongo e pela Maia, entre bouças e milheirais, cruzado por pontes romanas e assinalado por moinhos e azenhas, o Leça em tempos descrito com a sensibilidade poética que atraía a burguesia a refrescos estivais, é a mesma veia que compromete os quatro concelhos na defesa e revalorização de um recurso que tem tanto de ecológico como de político, de união territorial e de coesão social. Ou como diz Luísa Salgueiro, presidente da Câmara de Matosinhos e da recém-criada Associação de Municípios do Corredor do Rio Leça (AMCRL): "A partilha de uma estratégia para conseguirmos alcançar o objetivo a que nos propomos, mais do que fundamental, é imperiosa".
A estratégia a que se refere Luísa Salgueiro é uma liga fluvial, constituída em 2021 mas com origens bem mais remotas, na industrialização desregrada e na pressão urbanística verificadas a partir de 1950, ao ponto de o Leça ter sido tristemente reconhecido como um dos mais poluídos da Europa.
A pandemia de covid-19 emperrou os prazos originais para a execução do Plano Estratégico de Recuperação do Rio Leça, mas as obras continuam em bom ritmo, em várias frentes. Desde logo, na Maia, que reclama um certo pioneirismo na requalificação das zonas ribeirinhas: foi nas terras do Lidador que começaram a surgir, no início deste século, as primeiras equipas de voluntários para a limpeza das margens e também foi lá que surgiu, em 2016, o primeiro espaço de fruição do rio, o chamado Parque Ponte de Moreira, criado já com os conceitos que estiveram na génese do Corredor Verde do Leça.
Pistas cicláveis e pedonais
Precisamente, a Ponte de Moreira é o ponto de partida/chegada de uma frente de trabalhos de 600 metros ainda no município da Maia e que se prolonga por mais 6,4 quilómetros pelo concelho de Matosinhos, até à Ponte do Carro (Santa Cruz do Bispo). É a segunda fase do projeto, numa extensão de sete quilómetros.
Orçados em cinco milhões de euros (500 mil euros a cargo da Maia), os trabalhos hão de estar concluídos na primavera e unirão e estenderão pistas cicláveis e circuitos pedonais às do troço concluído numa primeira fase, entre a mesma Ponte de Moreira e a Ponte da Pedra, ao longo de 6,9 quilómetros.
Só em Matosinhos, a terceira fase do projeto está orçada em 7,5 milhões de euros e há de concluir os últimos quatro de 18 quilómetros da frente municipal ribeirinha, com vias pedestres e cicláveis até à foz. Para Matosinhos, o custo global é de 19,7 milhões de euros. Há comparticipação de fundos europeus até 85%.
Laboratório de rio
Na Maia, a frente de requalificação do Leça ficará com extensão total de 14 quilómetros. Os investimentos previstos rondam os sete milhões de euros. Imediatamente a montante, já em Valongo, o Parque do Leça de Ermesinde desenvolve-se nos limites com a Maia, o que também lhe confere o caráter de intermunicipalidade que preside à própria ideia do Corredor do Leça. Ali se instalará o designado Laboratório de Rio, que funcionará com um centro de observação da fauna, da flora e das boas práticas de reabilitação e valorização fluvial. O projeto tem prazo de execução até 2024 e custo previsto de 1,6 milhões.
União ambiental
Para Valongo, a AMCRL, a primeira constituída para defesa e salvaguarda de um rio, nem é assim tão original, porque o concelho presidido por José Manuel Ribeiro já faz parte, com Gondomar e Paredes, de outra liga de municípios vizinhos constituída para defesa do ambiente, no caso a do Parque das Serras do Porto, e também, em grande parte, pela preservação dos ecossistemas de outros dois rios, o Ferreira e o Sousa.
Além da recuperação do leito e das margens, a ideia do Parque de Ermesinde é colar passadiços a jusante e seguir para montante, até ao Parque de Alfena, que deverá ficar pronto este ano (investimento de 700 mil euros). Ao longo dos oito quilómetros em que margina o rio Leça, o município de Valongo tem já realizadas obras numa extensão de 1,7 quilómetros.
No extremo montante do Leça, onde tudo começa, na nascente do Monte Luzia, a Câmara de Santo Tirso tem uma estimativa orçamental de nove milhões de euros, para projetos a executar no horizonte do "Masterplan do Leça", a dez anos. Um dos objetivos é completar, até 2031, o circuito pedonal e ciclável ao logo dos 46,7 quilómetros que distam da nascente à foz do rio.
A saber
Nascente
O rio Leça nasce à cota de 531 metros, no Monte de Santa Luzia (Santo Tirso). Corre ao longo de 46,7 quilómetros, até desaguar no Atlântico. É conhecido pelo fenómeno das cheias, que irrigam os campos agrícolas. A bacia hidrográfica abrange uma área de 189,9 quilómetros quadrados.
Quatro milhões
Constituída em junho de 2021, a AMCRL foi instalada na sede de Leça do Balio, ainda em novembro do ano passado, na mesma ocasião solene em que o ministro do Ambiente e da Ação Climática, Matos Fernandes, garantiu quatro milhões de euros para a requalificação do Leça.