
Trabalhadores descrevem episódios de maus-tratos a utentes do Lar do Comércio
Foto: Pedro Correia
Funcionários ouvidos pelo JN relatam maus-tratos aos utentes no Lar do Comércio, em Matosinhos. Queixa ao Ministério Público está em investigação.
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Negligência na higiene dos utentes, alimentação e hidratação, falhas na administração de medicamentos e falta de rondas durante a noite são algumas das denúncias feitas por funcionários do Lar do Comércio, em Leça do Balio, que volta a ser alvo de uma investigação do Ministério Público na sequência de uma queixa apresentada em 2023.
Dois trabalhadores da instituição que falaram sob anonimato com o JN garantem que há “maus-tratos” e descrevem episódios que têm testemunhado já durante a gestão de António Bessa, que preside à IPSS desde o início de 2021, tendo sido reeleito no final de março deste ano. Entre esse período, a Segurança Social indica ter havido “12 denúncias/reclamações relacionadas com eventuais casos de negligência e maus-tratos nos cuidados prestados aos utentes, as quais foram encaminhadas”, não havendo, à data, “quaisquer comunicações ou decisões a julgar como provados os factos”.
Idosos “pisados”
“Temos um utente que está no lar só há cerca de três meses e está todo escariado. Ele veio a andar e, agora, já não anda”, relata ao JN um funcionário do lar. Segundo o mesmo trabalhador, a instituição tem recorrido a serviços externos para a prestação de cuidados, dado que despediu vários funcionários do lar, e as queixas incidem sobre a atuação desses auxiliares, que “estão sempre a mudar”. “O que vejo é que não têm formação e não sabem o que estão a fazer: os utentes andam pisados, porque não sabem pegar neles, e também não os alimentam nem hidratam como deve ser. Não sabem tratar nem falar com os utentes”, testemunha o trabalhador.
São ainda apontadas falhas ao nível da higiene, havendo relatos que referem que “os utentes são lavados só com um bocadinho de água”. Outro funcionário da IPSS afirma ao JN ser “revoltante o que se passa” no lar. “Já vi tirarem a fralda a um utente e porem outra sem o lavarem ou passarem água. Isto não é profissionalismo. Com o tempo, a urina começa a queimar a pele”, relata, contando ter “presenciado” também “tratarem do utente enquanto falam ao telemóvel”.
“Imagine o que é terem todos os dias pessoas diferentes a tratar deles; é constrangedor. E ainda por cima falarem ao telemóvel enquanto lhes dão banho. Presenciei isso, e não entendo como se dá banho a um utente com o telemóvel na mão, até porque é anti-higiénico. Além disso, quando cuidamos de um utente, temos de interagir com ele”, diz o segundo trabalhador com quem o JN falou, afirmando haver “desprezo em relação aos utentes”.
“Cheguei a ver uma situação de um utente que caiu ao chão e os auxiliares ficaram ali a olhar e a rir, sem o levantar”, descreve o empregado, que denuncia, ainda, que “os idosos não têm atividades e passam os dias virados para a televisão, porque os cuidadores não interagem com eles”.
“Mandam calar”
Durante a noite, “não são feitas rondas com frequência, e quando os utentes acordam com fome mandam-nos calar. Por vezes, não vão mudá-los – e alguns acordam bastante urinados – nem posicioná-los. Outros acordam muito agitados, aos gritos, porque não são medicados como deve ser ou foram medicados mais cedo”, conta o outro trabalhador.
“Os utentes chamam, a pedir água, e os auxiliares não ligam. Às vezes, gritam e não fazem caso. Estamos a falar de pessoas vulneráveis, e acabamos por ser impotentes para ajudá-los. Não temos nada contra a empresa de serviços, mas com o tratamento que dão aos utentes”, afirmam os trabalhadores da IPSS. O JN tentou ouvir António Bessa, sem sucesso.
