Incêndios no concelho de Leiria consumiram mais de 450 hectares de floresta, havendo ainda registo de animais mortos e dois carros queimados. Responsáveis da Proteção Civil reiteram as suspeitas de mãos criminosas, formuladas ontem pelo presidente da Câmara.
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Já passou um dia, mas Maria Luísa Oliveira, de 70 anos, ainda sente no corpo o esforço que fez para tentar salvar o rebanho que tinha numa terra consumida pelas chamas no incêndio que, na segunda-feira, deflagrou na freguesia do Arrabal e se estendeu às povoações vizinhas. O esforço da moradora e do marido acabou por ser em vão. Doze ovelhas morreram e as três que conseguiram retirar do local "não devem escapar".
A mulher conta que, ao início da tarde, começou a ver fumo, mas pareceu-lhe ainda longe. "Pensei que fosse o fogo das Matas [no concelho vizinho de Ourém]. Foi o vizinho que nos chamou para irmos tirar o gado", recorda. Sem conseguir contactar o filho, proprietário dos animais, foi com o marido e o irmão tentar recolher as ovelhas. "Abrimos a cerca, mas elas assustaram-se e fugiram em sentido contrário. Vi os animais a caminhar para a fogueira e nós sem conseguirmos fazer nada", relata Maria Luísa.
Em pouco tempo, as chamas atingiram o terreno e "levaram tudo". Segundo a moradora, além das ovelhas, ardeu um atrelado, ração, palha e um "monte de lenha" que tinham preparado para o inverno. "Perdeu-se tudo o que lá estava", lamenta a mulher, assumindo que vão terminar com a atividade. "Acabou. Se tivermos a quem, vendemos o terreno. Se não, ficam a terra e as pedras".
O terreno da família Oliveira localiza-se junto a um aviário, que ficou rodeado pelas chamas, mas que não registou danos. "Perdemos os pinheiros, mas aqui o fogo não entrou", diz Ricardo Marques, filho do proprietário da exploração, que tem cerca de 135 mil galinhas poedeiras. A sua convicção é que, o facto de a envolvente aos pavilhões estar "limpa", ajudou a "travar" a progressão das chamas, que nas duas freguesias foram combatidas por centenas de operacionais e uma dezena de meios aéreos.
"Os bombeiros foram incansáveis Trabalham muito e protegeram as casas", reconhece Maria Parente Ribeiro, residente em Caldelas, povoação da freguesia da Caranguejeira, onde o incêndio bordejou casas e empresas, sem, no entanto, haver danos a registar além da destruição de floresta.
Na mesma freguesia, registou-se outro incêndio, que começou com um minuto de diferença do fogo do Arrabal. Os momentos mais aflitivos viveram-se na aldeia de Vale Sobreiro, com as chamas a ameaçar várias casas. Numa delas, na Rua do Cabeço, o fogo só parou no muro e nas escadas em pedra que dão acesso à habitação. Mais em cima, arderam dois carros, que se encontravam junto a um barraco.
"Foi horrível ver o fogo a aproximar-se das casas. Cheguei a pensar que algumas não escapassem", conta Sandra Silva, que revela a angústia de um vizinho que, no ano passado, perdeu a sua oficina de automóveis, num incêndio em Ourém e que, desta vez, viu as chamas chegarem a "menos de 200 metros" de casa.
No balanço feito esta manhã, num momento em que os dois incêndios estavam já em resolução, o comandante sub-regional de Emergência e Proteção Civil de Leiria, Carlos Guerra, revelou que foram consumidos cerca de 450 hectares nas duas freguesias. Já esta tarde, registou-se um reacendimento na zona das Pereiras, debelado pouco depois pelos meios que permanecem no terreno.
No briefing desta manhã, tanto o vereador da Proteção Civil da Câmara de Leiria como o responsável do Comando Sub-Regional, reiteraram as suspeita de mão criminosa nos fogos que têm assolado a zona e que ontem foram assumidas pelo presidente do Município.
"Não estamos convencidos que seja obra do caso e, como tal, apelamos mais uma vez a que estejam atentos [população] e que colaborem com qualquer informação que possa ser útil, para que o processo de investigação seja também mais célere", afirmou o vereador Luís Lopes (PS), citado pela agência Lusa.
Também Carlos Guerra considerou "anormal" o número de ocorrências que se têm verificado nesta zona do território nos últimos dias. "É uma situação que consideramos que requer alguma investigação e algum cuidado por parte das entidades competentes", defendeu.