Despejados em Lisboa: “Bateram à porta e disseram para arrumar as minhas coisas em dez minutos”
Um casal e um idoso em cadeira de rodas, moradores em Arroios, Lisboa, foram despejados, esta manhã de quarta-feira, da casa onde viviam há quatro décadas. A família ficou na rua e está à porta do Ministério da Habitação a exigir alternativa habitacional.
Corpo do artigo
"Chegaram às 7 horas, tinha acabado de acordar. A polícia e o agente de execução bateram à porta, disseram que se não a abrisse a arrebentavam e que tinha 10 minutos para sair de casa. Disseram que o senhorio ia lá retirar o resto das minhas coisas mais tarde. Não tenho forma de entrar em casa, fecharam tudo", relata Alcina Lourenço, desesperada, acrescentando que no despejo "não esteve presente nenhuma assistente social" e que "o pai, um idoso de 89 anos em cadeira de rodas, ficou em casa de um vizinho devido à situação de saúde frágil".
A inquilina despejada está agora à porta do Ministério da Habitação. "Estou aqui para falar com a ministra. Tenho de arranjar uma solução hoje, não vou dormir para a rua. Já estou aqui desde manhã cedo e não há ninguém para me receber", critica Alcina que foi entretanto contactada por uma assistente social que terá proposto à família ficar temporariamente numa pensão. Uma solução que não lhe agradou. "Numa pensão não me dão alimentação e não tem condições para eu ter lá um idoso em cadeira de rodas", considera.
Segunda tentativa
A família deveria ter saído no início deste mês. A ação de despejo estava agendada para o dia 3 de outubro, tal como o JN noticiou na altura. Segundo o Comando Metropolitano de Lisboa da PSP confirmou ao JN, o agente de execução presente no local acabou, contudo, por "decidir não cumprir a diligência". Acabou por se concretizar esta manhã de quarta-feira.
A Habita, uma das associações que tem apoiado esta família, lembra em comunicado que "a lei de bases da habitação dita que ninguém pode ser despejado sem alternativa habitacional" e que, apesar de tentarem contactar "inúmeras vezes as instituições responsáveis por garantir uma solução (Câmara de Lisboa, IHRU e Ministério da Habitação), nenhuma se dignou a dar resposta". "Por isso, o Carlos, a Alcina e o seu pai de 89 anos estão neste preciso momento em risco de ir viver para a rua. A Associação Habita exige que este despejo seja parado, que uma solução de habitação para esta família seja encontrada já", apela.
A associação critica ainda as soluções anunciadas pela Autarquia, que "comunicou que a Alcina e o Carlos não têm pontuação suficiente para ter acesso a uma habitação municipal e aconselhou-os a candidatarem-se ao Subsídio Municipal ao Arrendamento, que consiste numa contribuição mensal camarária para apoio à renda no mercado de arrendamento privado". "Esta não é uma solução: o Carlos, a Alcina e o seu pai recebem um total de cerca de 1200 euros por mês, valor que é manifestamente insuficiente para suportar rendas inflacionadas a longo prazo", considera.
Família recusa soluções
A Câmara de Lisboa disse ao JN, no início deste mês, que acompanha a situação desta família, que já fez duas candidaturas ao programa municipal de arrendamento apoiado. Confirma que a pontuação obtida não é, contudo, suficiente para aceder a habitação municipal. A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa diz que "procurou sensibilizar a família para a importância da procura de alternativas habitacionais", mas esta "não se mostrou recetiva". A instituição propôs ainda um lar para o idoso, mas Alcina recusou por não considerar ser a melhor solução.
Alcina Lourenço explicou ao JN, no início do mês, que mora nesta habitação "desde os seis anos". "Vivia com a minha tia e, quando ela faleceu, em 2018, o senhorio propôs-me pagar 600 euros e eu disse que não conseguia na altura porque o meu marido estava doente e desempregado. Pouco tempo depois, propus pagar 700, mas ele já não me respondeu", contou.
A inquilina, de 49 anos, explicou ainda que não teve direito à transmissão do contrato da tia, mas continuou a pagar a renda de 30 euros do antigo contrato. "Recebi uma carta do tribunal a dizer que estou a ocupar a casa, mas continuo a depositar a renda." Recentemente, recebeu nova missiva a comunicar a data do despejo, que deveria ter sido no dia 3 de outubro, mas acabou por acontecer hoje.
Mora num T4 com o marido, doente oncológico com uma reforma de invalidez de 487 euros, e o pai, de 89 anos, a receber perto de 700 euros de reforma e pensão de viuvez. Desempregada "para cuidar da família", Alcina garantiu que com estes rendimentos não consegue pagar renda, medicação e comer. "Não é com mil euros que vou arrendar casa, comer e comprar medicação. Se tiver mesmo de sair de Lisboa saio, mas não há casas", lamentou na altura.