A Segurança Social e o Ministério Público (MP) estão a investigar a Associação de Solidariedade e Ação Social de Santa Joana (ASAS), em Aveiro, na sequência de denúncias que apontam para maus-tratos aos idosos do lar da instituição.
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A informação foi confirmada na terça-feira ao JN pela Segurança Social, que adianta ter aberto no mês passado "um procedimento de averiguações, em articulação com o Ministério Público". O processo, acrescenta, "encontra-se em curso, tendo em vista o apuramento da matéria denunciada". O MP confirmou, também, a instauração do inquérito.
Segundo apurou o JN, foram várias as denúncias que chegaram, em 2022 e já este ano, à Segurança Social. Queixas que apontavam para falta de higiene por escassez de produtos, consumo de alimentos deteriorados, prestação de cuidados de saúde tardios e coação sobre utentes para a transferência de bens para o diretor, Vítor Martins.
Situações que ganharam atualidade com uma reportagem da TVI, na qual funcionários e ex-funcionários da ASAS acusam o diretor, Vítor Martins, ex-presidente da Concelhia do PSD (ler texto ao lado), de tentar passar para seu nome bens de idosos, por manter em sua posse os cartões multibanco de alguns utentes do centro de dia, controlando-lhes o dinheiro, e por intimidar os colaboradores da associação.
"Foram servidos alimentos com prazos expirados acima de seis meses, entre os quais marisco, carne, ovos e peixe. Cheiravam mal", denunciou à TVI uma das funcionárias sob anonimato. "Era ele [Vítor Martins] que dava ordem para serem confecionados", acrescentou. Uma ex-funcionária afiançou também que "gastroenterites e diarreias" são uma constante no seio dos idosos da ASAS.
Todas estas acusações foram ontem confirmadas ao JN por uma ex-funcionária da ASAS. "Francisca", nome fictício, não se esquece da falta de fraldas para os cerca de 30 idosos do lar - "tínhamos de usar resguardos ou então ir buscar fraldas compradas por outros idosos" - de papel higiénico e gel de banho. "O Vítor Martins dizia para nos desenrascarmos", acrescenta. "Francisca" não comia no lar porque a comida - "feita maioritariamente com produtos em final de prazo dados pelos hipermercados que ele deixava prolongar" - era "intragável". "As omeletes eram verdes devido aos ovos estragados e ele dizia que era da qualidade dos ovos e que nós e os idosos éramos esquisitos", relata.
"Francisca" confirma também ao JN que, na instituição, "não há permissão para chamar uma ambulância" sem a autorização do diretor e que o mesmo terá recusado, várias vezes, assistência médica a utentes, nomeadamente durante a noite. Diz ainda que os utentes do lar não podiam queixar-se aos familiares porque Martins não os deixava estar a sós, "mandava uma funcionária, filha de um membro da direção, para vigiar e negar as queixas dos idosos".
Única IPSS que não pede apoio
Ribau Esteves, presidente da Câmara de Aveiro, disse ontem ao JN que a ASAS "é a única IPSS do concelho que nunca se candidatou ao Programa Municipal de Apoio às Associações", lembrando que para isso "teria, como todas, de cumprir regras e prestar contas". O autarca recorda ainda que recusou trabalhar com a ASAS quando a Câmara de Aveiro, em junho do ano passado, assumiu a pasta da ação social do Governo no âmbito da descentralização de competências.
O JN tentou falar com Vítor Martins, mas o diretor da ASAS não respondeu às chamadas.
Perfil
Vítor Martins foi um dos mais polémicos dirigentes partidários de Aveiro e com mais poder no PSD local e distrital. E não por "dar nas vistas", aliás raramente fala aos jornalistas. Quem o conhece diz que trabalha na sombra, junto das bases, angariando votos para si, enquanto foi presidente da Junta de Santa Joana e líder da Concelhia do PSD, e para o partido. Em 2020, foi notícia quando levou numa carrinha com idosos do lar que dirige, alguns em cadeira de rodas, à sede da Concelhia para irem votar nas eleições que ganhou mais uma vez. Foi presidente da Concelhia 12 anos. Deixou no ano passado, quando as eleições foram ganhas por Simão Santana, assessor do presidente da Câmara de Aveiro, Ribau Esteves (PSD), o "inimigo de estimação" de Martins. O ex-presidente da Concelhia foi sempre contra a ida de Ribau para a Câmara de Aveiro. Na primeira candidatura, "engoliu o primeiro sapo" por força da vontade do PSD nacional que impôs Ribau. Quando soube que não seria vereador, fez-lhe oposição interna. O filme repetiu-se na segunda candidatura, em que tentou impor nomes da sua confiança na vereação, também sem sucesso. A "guerrilha" agravou-se nas autárquicas de 2021, com sete processos judiciais contra Ribau no Tribunal de Aveiro e Tribunal Constitucional. Perdeu todos.
Pormenores
Centralizar queixas
A procuradora-geral da República, Lucília Gago, decidiu centralizar todas as investigações que envolvam crimes contra idosos em lares numa única estrutura. Vai ser o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), sediado em Lisboa, a concentrar todos os inquéritos a nível nacional.
Burlas
Também a apropriação indevida de património ou rendimentos de idosos, além de burlas, fraude fiscal ou outros ilícitos cometidos por dirigentes serão investigados por procuradores do DCIAP.