Do Bolhão à Batalha, a caravana do Chega chegou em festa mas perdeu o fôlego no fim da arruada
Numa terça-feira dedicada ao Norte, um terreno difícil para o Chega, André Ventura foi ao Porto mostrar que quer "estar mais junto das pessoas". O candidato foi recebido em festa no Mercado do Bolhão, mas o fôlego esmoreceu na Rua de Santa Catarina e a arruada chegou morna à Praça da Batalha, no Porto.
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A avaliar pela chegada eufórica à Rua Formosa, a tarde do líder do Chega prometia. Aliás, após percorrer meia dúzia de metros entre a estrada e a porta do emblemático mercado portuense, onde foi engolido por apoiantes fervorosos que o encheram de beijos e abraços, entre bandeiras no ar e frases de apoio ecoadas a plenos pulmões, André Ventura mostrou-se satisfeito com uma receção que teve tanto de calorosa como de confusa. "É relevante estarmos no Porto com esta dimensão", declarou o presidente do partido, com o colarinho da camisa branca já manchada de batom. Mas num Porto a vibrar com o tradicional Cortejo da Queima das Fitas, com milhares de pessoas na Avenida dos Aliados, a festa do Chega fez-se sobretudo da máquina partidária que, durante hora e meia, cercou o seu líder.
Ainda assim, houve muitos a furar a roda para chegar a André Ventura. Uma das primeiras foi Maria do Céu Machado, que de lágrimas nos olhos, se atirou ao pescoço do presidente do Chega. "Ai, André! Deixa-me dar-te um beijo", implorou a portuense de 74 anos, emocionada por ver o "único homem que diz verdades". "André, vai ali à santinha!", "Tira uma fotografia comigo, André", "Oh senhor Ventura, vou-me embora. Você não me liga nenhuma". Com tantos estímulos, Ventura fez um esforço para se concentrar no lamento de Conceição Gonçalves, que por se deslocar numa cadeira de rodas se queixou da falta de acessibilidades e dos 300 euros que recebe de pensão por invalidez. "Se eu ganhar, pode ter a certeza que pessoas como a senhora não vão ganhar isso. Porque quem não merece vai deixar de ter e quem merece vai passar a ter", prometeu o candidato, antes de prestar declarações à comunicação social.
Bengaladas democráticas em dia de Cortejo
O desabafo de Conceição Gonçalves foi o mote para o líder afirmar que os políticos têm "de ouvir mais as pessoas, contactar com elas, ouvir as preocupações e sentir o carinho", algo que o partido não priorizou no passado. "Não diria [que foi] um erro, mas o partido evoluiu. Hoje somos um partido mais de implantação, mais de presença", justificou o candidato, enquanto os apoiantes, impacientes, pediam que deixasse de falar com os jornalistas. "Que lapas! Deixem-no em paz", ouviu-se.
À medida que a comitiva percorria o corredor central do Bolhão, as selfies dominaram o momento, solicitadas sobretudo por adolescentes e senhoras mais velhas puxados pelos seguranças para chegarem até ao protagonista. "Até tremem connosco! Portugal é nosso, a bem ou a mal", gritou uma das fãs mais jovens. Sempre que alguém menos favorável se tentava pronunciar, como um senhor mais velho que fez questão de gritar pela AD à passagem do Chega, a caravana abafava as vozes dissonantes. "Pouco importa, pouco importa se eles falam bem ou mal, queremos o André Ventura a mandar em Portugal", cantavam.
À saída do Mercado do Bolhão, o líder partidário foi interpelado por dois universitários finalistas, um do CDS e outro do Chega, que de cartola na cabeça, lhe pediram as tradicionais bengaladas. "Votem na AD!", pediu um deles. "Isso é que não, votem no Chega!", rebateu Ventura, bem-disposto. A caravana com cerca de duas centenas de apoiantes seguiu para a Rua de Santa Catarina, mais despida do que é habitual devido à festa académica, para uma arruada que começou composta, mas chegou a meio difusa. Atrás do sorridente presidente do Chega, alguns deputados mais conhecidos do partido, como Pedro Pinto, Pacheco de Amorim ou Cristina Rodrigues, não perderam a postura, enquanto o líder ouvia as queixas dos lesados do Novo Banco ou os elogios de alguns cidadãos.
Um arco-íris de protesto entre as bandeiras do Chega
Já na reta final, um guarda-chuva com as cores do arco-íris destoava entre as bandeiras do Chega, apesar do esforço dos apoiantes de André Ventura em camuflar o "intruso". Irredutível, Mate Szedlak não desmobilizou do seu protesto improvisado. "Tenho receio do fascismo. Eu praticamente fugi da Hungria e vim para o Porto há cinco anos. Aqui, sinto-me em casa. Estas pessoas acolheram-me e protegeram-me, estas pessoas fizeram-me sentir seguro. Tenho medo de perder a minha segunda casa", explicou, ao JN, o húngaro de 33 anos, que mal viu o Chega a passar na rua, foi comprar um guarda-chuva com as cores que representam a comunidade LGBTQIA+ para se juntar à arruada. Mate não quer que "aconteça a Portugal o mesmo que aconteceu na Hungria, com o Governo do extremista Viktor Orbán", que tornou o país "um sítio horrível, onde o ar está envenenado".
"Ui, vem aí o apagão", atirou uma portuense de sotaque carregado, ao ver a multidão já menos robusta a entrar na Praça da Batalha. O que é certo é que André Ventura entrou no carro agradado com a aceitação que sentiu no Porto, a cidade que descreveu como "barómetro da tendência nacional". "Se contarmos pelo que está a acontecer na rua, o Chega assumirá uma candidatura clara a vencer as eleições nacionais", garantiu o líder.