"Vizinhos" é um marco local e, apesar de ter resistido à concorrência das grandes superfícies, está em risco de encerrar. Há quem defenda que deveria voltar a ser espaço de cultura.
Corpo do artigo
Nas paredes ainda estão as pinturas de quando naquele edifício funcionava um teatro, no final do século XIX, tal como se mantêm inalterados os nomes desenhados de Camões ou de Garrett. E, olhando para cima, os balcões da antiga sala de espetáculos permanecem iguais, como se o tempo não tivesse passado por lá. Mas as tintas, os diluentes, as ferragens e as centenas de outros materiais tomaram o palco.
A "Vizinhos, Irmãos e Filho" - mais conhecida, simplesmente, por "Vizinhos" - é uma drogaria centenária, situada no centro histórico de Ílhavo desde janeiro de 1922. Mas os seus dias podem estar a chegar ao fim.
Armando Samagaia, de 68 anos, é, desde 1993, o proprietário da drogaria agora centenária, depois de a ter adquirido aos descendentes do fundador, Manuel Nunes Vizinho. E manteve-lhe o nome, até aos dias de hoje, "por ser muito conhecido e um marco na cidade".
Compensar perda
"Isto é uma referência em Ílhavo. Toda a gente sabe onde ficam os "Vizinhos"", sublinha Armando, antigo emigrante na Venezuela e natural do concelho vizinho de Vagos.
"Esta casa funcionou muito à base de materiais de construção, mas hoje não, pois nem acessos que dê para isso tem. Por isso, tivemos que procurar outra forma de compensar essa perda. Apostámos mais em materiais e ferramentas elétricas e em ferramentas para agricultura, entre outras coisas", exemplifica Armando Samagaia.
Parafusos, diluentes, fios, cordas, correntes e cabos de aço são alguns dos mil e um outros artigos que podem ali ser encontrados, nas extensas prateleiras de perder de vista. Só que, nos últimos 20 anos, com a proliferação de grandes superfícies comerciais nas redondezas, em Ílhavo e em Aveiro, a quebra no negócio "sentiu-se e de que maneira".
Futuro incerto
Armando Samagaia conta que tem clientes de vários concelhos das redondezas. Principalmente, desde que, há poucos anos, aumentou no centro histórico a recuperação de habitações antigas. "Se precisam de pregos, de uma tomada, de um interruptor, de uma lata de tinta ou de um pincel vêm cá. Mas claro que as coisas maiores, essas, que são as que dão mais lucro, compram nas grandes superfícies", lamenta.
Atualmente, o negócio "já só dá para se ir mantendo e não para tirar dividendos". Por isso é que Armando e Odete estão a pensar largar o mesmo e já estão a estudar hipóteses do que poderão fazer. Só que, até à data, ainda não decidiram o futuro. O proprietário conta que, há uns anos, a Câmara o abordou, mas que "não se quer chegar à frente para comprar". E há quem gostasse que a cultura regressasse ao icónico edifício. Mas o destino, para já, ainda é incerto.