Uma deficiência é muitas vezes interpretada como um atestado de incapacidade. Marta Caride está a fazer um trabalho brilhante para contrariar essa tendência, uma vez que concilia o mestrado em Medicina com um lugar de destaque na esgrima. Tudo isto, apesar de sofrer de surdez neurossensorial bilateral desde que nasceu.
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Esta podia ser uma história de superação (que o é), mas Marta não quer ser vista dessa maneira. Prefere ser encarada, isso sim, como uma atleta internacional que, como tantos outros, carece de apoios de quem rege o desporto português e tem de equilibrar a balança da vida, conjugando a parte social, profissional e académica.
Embora seja surda de nascença, só aos dois anos os pais da esgrimista conseguiram perceber que havia algo de errado. A partir desse momento, seguiram-se muitas horas de terapia da fala, enquanto Marta, natural de Gaia, frequentava o ensino normal, excluindo a hipótese de uma escola para pessoas com deficiências auditivas.
Aprendizagem
"Era uma criança que nunca tinha ouvido até colocar o meu aparelho auditivo e houve um grande trabalho de aprendizagem da fala e de articulação das palavras", contou, ao JN, a atleta de 23 anos. Marta considera-se uma sortuda por ter tido o apoio dos colegas de turma com quem foi partilhando o ensino, que sempre a ajudaram a integrar-se. Para compensar a falta de audição, a leitura labial tem sido uma arma muito importante no dia a dia de Marta, que tem "entre 80 a 90% de surdez".
"Nunca fui o centro das atenções, mas nunca fui renegada. E sempre que tinha dificuldades houve grandes pilares que me ajudaram. Além dos meus pais, que tiveram um grande impacto para que conseguisse ter uma vida normal", acrescentou.
Além de estar prestes a terminar o mestrado em Medicina, no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, no Porto, Marta é uma das esgrimistas de maior sucesso a nível nacional. Além de já ter praticado, de forma amadora, ténis, natação e ballet, é na esgrima que tem representado Portugal e o Sport Club do Porto. A aventura na modalidade começou no desporto escolar, quando estava no 7.º ano. Entretanto, já foi multicampeã nacional absoluta, contando ainda com participações em europeus e mundiais. Só não entra em mais competições por não dispor de verbas suficientes para tal e os apoios institucionais são residuais.
"Em muitas provas só consegui participar porque tenho patrocínios. Aliás, quando competimos com atletas que têm outras condições de treino e outras ajudas notamos muito a diferença e começamos a questionar se vale a pena todo o esforço", salientou Marta, que garante não haver interferência da surdez na hora de defrontar as adversárias de florete na mão.
Disciplina
A chave do sucesso é mesmo a disciplina. "Dá tempo para tudo. Claro que às vezes temos que fazer cedências e mudar a rotina, mas quero ser sempre a melhor em tudo. Melhor filha, amiga, atleta e estudante", completou, lamentando a "falta de investimento no desporto português".
Quanto à Medicina, que quer seguir, ainda não tem a certeza do caminho, aguardando pela média final para perceber onde vai encaixar melhor.
“Nunca desliguei o aparelho quando estão a falar comigo, mas, por vezes, quando vou no metro gosto de o desligar e seguir viagem tranquila. Aí sim, é uma grande vantagem quando quero estar só com os meus pensamentos", concluiu Marta Caride, que nunca se deixou definir pela incapacidade.