Regina Santos trabalha no Município da Trofa, é cega desde nascença e só tem formação musical base em piano. Autarca, Sérgio Humberto, tece elogios à funcionária e diz que é um privilégio.
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Conta que teve aulas de piano na altura em que ainda andava a estudar no colégio, o que lhe permitiu ter "uma formação base". Mas o que gostava mesmo era de aprender "mais técnica". De todo modo, isso não inibe Regina Santos, 46 anos, cega, e telefonista na Câmara da Trofa, de ir "desafinar" o instrumento, que está num dos átrios do novo edifício da autarquia, sempre que tem "um tempinho livre". Quem a ouve - a música propaga-se por todo o edifício - gaba-lhe o dom de quem "toca com paixão".
Regina revela que não tem "uma hora certa para tocar", dando conta que "depende da disposição". "Às vezes, quando chego mais cedo ao trabalho, aproveito para tocar, outras vezes é à hora de almoço ou ao fim do dia. No outro dia, distraí-me e quando dei por mim eram oito da noite", disse, enquanto soltou uma gargalhada.
O presidente da Câmara, Sérgio Humberto, explicou que "o piano foi adquirido, há mais de 20 anos, para acompanhar o Coro dos Meninos Cantores do Município da Trofa, permanecendo até novembro guardado numa das arrecadações do Fórum Trofa XXI. Passando a Câmara a ter, um novo edifício, não fazia sentido este equipamento magnífico continuar guardado".
Já sobre a telefonista, o autarca tece rasgados elogios: "É um privilégio que a Regina faça parte da nossa equipa e é magnífico percorrer os espaços da nossa autarquia ao som do piano".
Regina assume que não toca "por exibição" e logo faz o reparo: "Gostava de tocar mais, mas estou muito destreinada".
Os colegas que a ouvem, enquanto estão a trabalhar, não lhe poupam elogios, como Hugo Forte, com formação em piano, a quem a telefonista pede ajuda "para melhorar a técnica": "A Regina tem o gosto pelo piano no coração e melhorou bastante desde que me pediu ajuda, porque é muito persistente".
"Toca com paixão"
Regina está na hora de almoço e assim que diz "piano", o seu cão-guia, Night, direciona-a até ao átrio da entrada sul da Câmara. A telefonista, fica de repente nervosa, e tacteia o teclado com receio.
"O que vou tocar?", desabafa, como se lhe tivesse dado uma branca. Mas avança com "A Paixão" de Rui Veloso, segue-se Bryan Adams, e até as "Dunas" dos GNR. "Não sou Mozart, mas gosto muito de tocar piano", solta.
Célia Ferreira estava no balcão de atendimento e pensava que estava "a ouvir uma gravação", mas quando se apercebeu que era Regina que estava a tocar não resistiu em ir felicitá-la: "Sou casada com um dos músicos da Orquestra da Casa da Música, no Porto, e fiquei arrepiada a ouvi-la, porque toca com paixão que é o que diferencia os músicos".