A "febre" do ferro está a voltar. Pelo menos é o que diz José Cruz, ferreiro, que leva o trabalho para casa: todos os dias se senta e deita em peças da sua autoria. Até a forja ele criou, a partir de uma jante de camião.
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"Em casa, os candeeiros, o corrimão interior, as camas, a base para a televisão, a mesa e as cadeiras da cozinha, tudo foi feito por mim. Só o quarto da minha filha escapa: ela já viu tanto ferro!". José Cruz, 45 anos, ri enquanto percorre a oficina, em São Fipo, Condeixa-a-Nova, de cigarro na mão.
O ferro está novamente em voga, depois de ter sido preterido pela madeira, explica. E é apoiado pelas diversas peças que aguardam recuperação, no exterior da oficina. São, essencialmente, camas (algumas com cem anos) e estruturas enferrujadas de bidés, lavatórios, cómodas.
Há uma velha cama cujas rodas são para tirar, porque riscam o soalho. O ferreiro fala de um lavatório, a levar chapa, ser endireitado e sofrer uma limpeza com limalha de ferro, e de um bidé, que "vai ficar como novo ou melhor ainda, porque vale sobretudo pela história".
Por vezes, os proprietários nem reconhecem as peças rejuvenescidas, tão diferentes ficam. "Dizem: mas era esta a cama?". Também há aqueles que não voltam para buscar os objectos. Ou os que voltam muito tempo depois.
"Há uns anos, isto iria tudo para o lixo. Hoje, as pessoas até vêm aqui perguntar se tenho coisas antigas para vender. Não tenho". Diz que "as pessoas estão a voltar ao ferro" e por alguma razão está a criar uma cama, de raiz, que é uma cópia de outra, antiga. Levaram-lhe uma fotografia. Já forjou a cabeceira e os pés. A encomenda seguirá para Coimbra. Paralelamente, prepara 16 cópias de uma velha fechadura que fora encontrada enterrada no solo. Uma preciosidade de tal ordem que o dono não se queria separar dela. Pediu ao ferreiro mil cuidados.
Aquilo que dá mesmo gozo a José Cruz são as encomendas que exigem criatividade e levam a acender a forja - feita por si, aproveitando a jante de um camião para recipiente onde ardem as brasas. Ou seja: "Tudo o que não ande muitos dias a fazer". Mas, na maior parte do tempo, pedem-lhe grades ou portões, e o Estado só o reconhece como serralheiro civil. "Faço trabalho de ferreiro, mas não é classificado como tal nas Finanças", lamenta, na sala onde convivem moldes, bigornas e martelos.
Das suas mãos nascem peças diversas. Algumas são cópias de coisas antigas, outras a concretização de desenhos que os clientes lhe levam, outras a reciclagem da memória, como aquela porta centenária de uma quinta em Penela que tem sobre a enorme mesa de trabalho - também feita por ele - e vai ser um quadro de sala (ver caixa ao lado).
"O cliente sabe aquilo de que tem necessidade, eu concretizo", decifra, humilde, rejeitando o rótulo de artista. Mas de uma coisa José Cruz está certo: "O que eu faço tem 100 anos de garantia. Nas grandes superfícies, a diferença, no preço, depois paga-se".
A entrada principal da oficina é uma montra. Tem candeeiros, uma chaminé, cataventos, elementos decorativos que são sóis, luas ou fadas. Por vezes, surgem clientes novos e deixam-lhe histórias engraçadas para contar. Como os noivos que ali entraram e disseram: "Queremos uma cama forte". Jogavam ambos râguebi, conta, de sorriso doce, enquanto enrola um cigarro.