Em Lavandeira, Carrazeda de Ansiães, é só nesta altura que se abrem todas as janelas e portas das casas graças aos que regressam ao seu "porto de abrigo".
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É só ao oitavo mês do ano que se abrem todas as portas e janelas das casas de Lavandeira, aldeia de Carrazeda de Ansiães. O “querido mês de agosto”, o mais quente na temperatura e no reviver dos afetos, traz ao país os emigrantes dos vários cantos do Mundo para dar vida às aldeias despovoadas, que nos restantes meses padecem do mal da falta de gente. Uma maleita diagnosticada há décadas, para a qual ninguém encontrou cura e se agrava ano após ano, mas que beneficia de tréguas, precisamente, neste mês.
“Na minha família somos todos emigrantes. Na nossa rua veio toda a gente. Daqui até lá em baixo, as casas estão todas abertas, no resto do ano só três estão ocupadas”, conta Cristina Reixelo, emigrante na Alemanha há mais de 30 anos, que fez questão de construir casa na Lavandeira, a sua terra natal. “Desde que emigramos que vimos passar aqui as férias. Só falhamos um ano por causa da pandemia. Venho ver a minha casa. A minha filha e netas, todas nascidas na Alemanha, adoram vir”, explica Cristina.
Agosto continua a ser o mês pelo qual os emigrantes continuam “a sonhar um ano inteiro”, como diz a canção. Matar saudades da família e da terra é o principal motivo de quem percorre milhares de quilómetros de carro desde a Alemanha, Suíça, Luxemburgo, França, Espanha e outras origens. As pequenas localidades entopem-se de carros, os supermercados das vilas e cidades ganham longas filas e pelos palcos dos arraiais populares passam os cantores que aparecem na televisão, pois público não falta.
Nas aldeias têm as raízes, as casas que construíram com o esforço do trabalho no estrangeiro, os terrenos herdados ou comprados. “A nossa terra é um porto de abrigo”, sublinha Cristina, que ainda não decidiu se regressa de vez a Portugal. “Estou longe da reforma, depois se verá”, observa.
Um espanhol aficionado
A Lavandeira no verão é um imenso palco de reencontros dos amigos de infância, onde se recordam os tempos da mocidade. “Há uma grande animação, vamos ao café da comissão de festas para conviver e rever as pessoas com quem crescemos aqui na aldeia, mesmo algumas que também vivem na mesma cidade na Alemanha, lá raramente as vejo, mas aqui pomos a conversa em dia”, refere Cristina para quem o verão “é uma festa diária”.
Todos vivem intensamente a procissão e o arraial da festa em honra do Divino Rei, realizada a 6 de agosto. “Se não viessem os emigrantes, a festa teria pouca gente. São eles que dão vida a isto. Parece uma aldeia repovoada. A população cresce três ou quatro vezes”, garante José Lopes, presidente da União das Freguesias de Lavandeira.
A família Fernandes é grande. Juntam-se todos em Lavandeira e vão rodando as almoçaradas e jantaradas pelas casas de cada um dos seis irmãos. “Gostamos de estar aqui na aldeia. Temos um apartamento em S. Martinho do Porto, mas só vamos lá uma semana. O resto do tempo ficamos na Lavandeira. Vivemos em Paris e queremos desfrutar desta calma”, conta Graça Fernandes, casada com Manuel, “Manu” como é conhecido o espanhol com raízes em Miranda do Douro, o mais aficionado da vida na aldeia. “O verão é especial, mas também vimos cá passar o Natal.”
A irmã Aurora destaca que a aldeia “ganha movimento e fica completamente diferente, tal como era antigamente”. Por isso é que se faz à estrada todos os verões.
“A saudade bate forte, mas no resto do ano vou vendo fotos no Facebook. Gosto tanto. A nossa terra é esta, não há dúvida”, vinca Aurora.
Manu é o maior fã de Lavandeira: “Aqui posso conviver com outras pessoas e posso gozar a vida, com descanso. Gostava de vir definitivamente”.
Sempre no coração
Também a aldeia de Paradinha Nova, em Bragança, ganha nova vida na época estival. “É fantástico, trabalhamos todo o ano para desfrutar destas semanas em Portugal”, explica Michael Oliveira, nascido em França, filho de emigrantes. “Junta-se aqui a família e os amigos. Todos os anos vimos para cá desde que nasci. Dividimos o tempo entre a Paradinha, onde nasceu o meu pai, e Fátima, terra natal da minha mãe”, conta o jovem admitindo que “Portugal está sempre no coração”.
Michael, que vive na zona de Paris, não se deixou arrebatar pelos Jogos Olímpicos. “Está-se aqui melhor, com menos confusão. Em Paris, mal se pode andar com tanta gente”, diz o jovem.
Também com origens na Paradinha Nova, Kevin Oliveira, emigrante de segunda geração em França, não falha agosto em Trás-os-Montes. “Estamos cá sempre no dia da festa. Junta-se a família, reencontramos amigos aqui, mesmo alguns que vivem em França, e só encontramos uma vez por ano. Voltamos ao nosso país”, refere, explicando que os emigrantes dão uma lufada de ar fresco às aldeias. “Durante o resto do tempo, mora aqui pouca gente, mas em agosto isto tem dez vezes mais pessoas do que nos outros meses”, acrescenta o jovem que até “era capaz de se habituar” a esta vida. “O problema é que aqui não há trabalho”, lamenta.
Pausa no stress de Paris
Os jovens juntam-se em torno do bar Os Cucos e divertem-se. Põem a conversa em dia e fazem uma pausa na vida quotidiana e do stress de Paris. “Nós vamos às vezes a Bragança, mas na realidade preferimos ficar aqui na aldeia. Estamos mais à vontade”,
António Fernandes emigrou há mais de 40 anos para França, mas regressa a Portugal feliz. “Agosto é o mês mais especial do ano. É uma festa. Uma festa transmontana!”, diz.
Diana Sousa, oriunda da zona de Braga, também residente em Paris, meteu-se à estrada para passar o fim de semana da festa em Paradinha Nova. “Estamos com a família e os amigos, come-se bem, estamos descontraídos”, nota.
No final do mês, acabam as férias e regressam todos aos países de acolhimento. “Voltamos à realidade. Temos de trabalhar”, conclui Diana.
Saber mais
Mais de dois milhões vivem fora do país
Segundo o Observatório da Emigração, em 2020, mais de dois milhões de portugueses estavam emigrados. Destes 1,45 milhões estavam radicados na Europa, 579 mil viviam no continente americano e 50 mil noutros países.
Saíram 81 mil só no ano passado
No ano passado, saíram 81,4 mil portugueses do nosso país em ausências temporárias (inferiores a um ano) e permanentes. Destes, 33 666 saíram de forma permanente, tendo em conta os dados do Instituto Nacional de Estatística.