Fernando, de 80 anos, cegou ainda na adolescência. Descobriu a destreza para a escrita e para a música depois de reformado. Escreve a braille e toca acordeão e piano.
Corpo do artigo
Fernando Martins Alves escreve e compõe músicas. Tem 80 anos e o último livro publicado, dos três que já editou, foi há três meses. Quando escreve, pode ser um poema intitulado "Amar o mar" ou pode ser o hino do Futebol Clube de Arouca, de onde é natural, a pedido do clube quando chegou à 1.ª divisão descalço de uma música de guerra. Fernando apareceu como autor desse hino. Descobriu o talento para a poesia e para a composição quando alcançou a aposentação.
Depois de anos na receção de um dispensário de psiquiatria "precisava de ocupar o tempo". Começou a encher cadernos de letras e de poesia "sempre que surgia alguma coisa". "Pode ser repentino", avisa. Tem "um cantinho" em casa só dele: "No meu cantinho tenho um sintetizador, dois módulos Roland e uma aparelhagem eletrónica ligada ao acordeão". É ali que nascem hinos, marchas populares para as rusgas populares ou canções que toca e canta no Clube dos Fenianos do Porto, do qual faz parte "há uns anitos".
"Terra Solta" foi o primeiro livro lançado, "Raízes" é o título do seu segundo livro de poemas e "Do Raiar ao Crepúsculo", o último. Diz de viva voz: "Isto está sempre a mexer. Só vai parar quando eu acabar". Fica a promessa para uma próxima publicação. Mais: na hora de publicar, publica a negro e a braille. É cego desde os 14 anos quando esteve doente com uma meningite tuberculosa. Melhorou. Mas, tal como tinham alertado os médicos, a partir dos 50 anos cegou e não recuperou. Hoje de olhos abertos, vê vultos. Aprendeu já adulto a escrever e a ler em braille. Isto nunca acanhou a vontade e o talento para a escrita e para a música. Uma habilidade nunca vem só.
Fernando é como diz o compositor brasileiro Chico Buarque: "Os poetas como os cegos podem ver na escuridão".