
Eliana Moreira, Pedro, Alexandre, Cassilda Silva, Manuel Augusto, Emanuel, Patricia Almeida e Sara Santos
Rui Oliveira/Global Imagens
Há quase 18 anos, Eliana Moreira perdeu o irmão na queda da ponte Hintze Ribeiro. A dor que se abateu sobre ela e a família ainda hoje não está ultrapassada. Mas percebe agora que a vida lhe trouxe outros motivos para sorrir.
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Dois meninos gémeos, que acabou por adotar: "Há coisas que não acontecem por acaso, se isso não acontecesse não tinha os meus filhos". Esta é uma das "Famílias de Afeto" que nasceram através do Centro de Apoio Temporário (CAT) Crescer a Cores, criado pela Associação de Familiares das Vítimas da Tragédia de Entre-os-Rios (AFVTER), que dá apoio a jovens em risco há dez anos.
Quando conheceu Alexandre e Pedro tinham apenas três anos. A irmã participava no projeto da instituição que visa dar carinho aos jovens. "Aos fins de semana e férias, recebíamos as crianças. Com os gémeos, foi amor à primeira vista", descreve Eliana. Passou a ser ela a "família de afeto", até que os meninos foram entregues ao pai durante um ano. Manteve-se por perto, como madrinha e, quando as coisas correram "menos bem", foi contactada para os acolher.
Ponderação
"A adoção nunca me tinha passado pela cabeça. Nem ter filhos sequer", confessa Eliana Moreira. Ponderou com o companheiro e a família e resolveu avançar. "Eu tinha de ficar com aqueles meninos. Eles tinham-me escolhido", acredita. Vivem com ela desde os cinco anos. Hoje têm 12 e chamam-lhe mãe, porque querem. "Só não nasceram de mim, mas o sentimento é o mesmo", salienta, garantindo que a têm ajudado a superar a perda.
Se Eliana Moreira nunca tinha pensado na adoção, Patrícia Almeida chegou à instituição ainda jovem, para fazer voluntariado, a pensar nessa hipótese.
A jovem voluntária convenceu os pais a aceitarem ser família de afeto e passaram a levar várias crianças para casa. "Íamos alternando para ninguém se sentir excluído", recorda a jovem de Santa Maria da Feira. Até que, na altura em que a instituição ia deixar de receber meninas, a pequena Sara, uma das utentes, ficava numa situação difícil. "Sugeriram um apadrinhamento civil e aceitámos. Vive connosco desde os sete anos, hoje tem 14", conta.
A pergunta do domingo
Antes, já era da família. "Quando vínhamos trazê-la ao domingo era sempre complicado, porque perguntava muitas vezes porque não ficávamos com ela", explica Patrícia Almeida. "Trata os meus tios por tios, a minha avó por avó, é como se esta fosse desde sempre a família dela", garante.
Sara tem um irmão, Emanuel, com 12 anos. Um menino especial, com espectro de autismo. Apesar de serem apoiados por famílias diferentes, não estão separados e mantêm contacto sempre que possível.
Um feliz acaso
Emanuel chegou a viver com Cassilda Silva e Manuel Augusto, também de Santa Maria da Feira. Eles entraram na sua vida por acaso, quando tentaram dar apoio à mãe biológica e foram com ela visitar os dois filhos ao Centro de Apoio Temporário. "Ele tinha seis anos, não falava, mal se sustentava de pé e não queria contacto. A mãe não se aproximava dele. Era um tigre pequenino abandonado. Eu tenho dois filhos, não buscava mais filhos", resume Cassilda, de 59 anos.
Gritaria
Só que começou com as visitas e depois a levá-lo para sua casa ao fim de semana. "Quando o deixava cá era uma gritaria e tinha de ir a fugir. Ele corria isto tudo à procura da madrinha e do padrinho", diz. Ficou lá dois anos, até que ela adoeceu. Ainda pediu ajuda à Segurança Social, mas a criança acabou por ser colocada noutra instituição. Não desistiram dele. "Estivemos três meses a vê-lo ao longe até que passaram a deixar-me ir novamente buscá-lo", refere, enquanto ele lhe segura a mão e a abraça. Continua a acolhê-lo aos fins de semana e nas férias e promete não o largar.
"Lá em casa tem o quarto dele e digo sempre vamos para a nossa casa", afirma, com carinho.
Foi dado apoio a 87 jovens em dez anos
Nasceu da morte, mas tem procurado valorizar a vida. O Crescer a Cores começou como berçário e agora acolhe apenas rapazes entre os 10 e os 18 anos. Conta, atualmente, com 16 jovens integrados, tendo o mais jovem 13 anos.
"São jovens retirados à família por não irem à escola, por abandono ou falta de cuidados e queremos dar-lhes um projeto de vida. Há crianças a ficar por dois a três anos, embora isto devesse ser temporário", explica Augusto Moreira, presidente da AFVTER. Nos primeiros dez anos de existência foram apoiados 87 jovens em risco.
120 mil euros
A instituição tem em curso um projeto, num investimento de 120 mil euros, candidato a fundos comunitários, para fazer mais dois quartos, salas de convívio e restruturar o refeitório e gabinetes médicos.
Uma família
Há uma equipa multidisciplinar que dá apoio aos jovens 24 horas por dia. "Recebem carinho e amor que, muitas vezes, não tinham. Somos uma família", garante Augusto Moreira, presidente da instituição.
