Especialista em poluição atmosférica critica avaliação dos impactos da mina do Barroso

Especialista critica avaliação dos impactos da mina do Barroso na qualidade do ar
Foto: Pedro Correia
O especialista em poluição e modelação atmosférica Douw Steyn, da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá, critica avaliação da componente "qualidade do ar" no Estudo de Impacte Ambiental (EIA) da Mina do Barroso. Num relatório independente, a pedido da Associação Unidos em Defesa de Covas do Barroso (UDCB), apontou falhas e omissões graves e questionou autorizações concedidas pelas autoridades portuguesas.
Douw Steyn considera "surpreendente" e "prematura" a declaração ambiental favorável, ainda que condicionada, das entidades públicas responsáveis à mina de lítio no Barroso. Uma conclusão a que chegou depois de analisar a forma como foi feita a caracterização da qualidade do ar na área de implementação do projeto e a modelação de dispersão de partículas nocivas.
Segundo aquele especialista, a caracterização da qualidade do ar utilizada nas duas versões do Estudo de Impacte Ambiental (EIA) data de 2018 e foi realizada por uma consultora sem experiência aparente em monitorização ambiental e de qualidade do ar. Contactada por email pelo JN, a empresa, o Centro Tecnológico da Cerâmica e do Vidro, não respondeu às questões.
A monitorização de partículas PM10, com um diâmetro inferior a 10 micrómetros (µm), que podem ser inaladas e causar problemas respiratórios e cardiovasculares, diz Steyn, realizou-se numa única localização e durante um período de 14 dias. "Uma recolha espacial e temporalmente limitada, que desconsidera a topografia envolvente e as variações anuais das condições meteorológicas", lê-se no comunicado enviado pela UDBC. "Os dados apresentados são, portanto, irrelevantes para caracterizar a situação de referência e inferir os impactos negativos do projeto", acrescenta.
Douw Steyn, diz o mesmo documento, destacou ainda o facto de a Declaração de Impacte Ambiental (DIA), emitida pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA), recomendar ampliar o tempo e o número de estações de monitorização da qualidade do ar. Considera, no entanto, que "o período proposto (52 dias) carece de argumentação que o sustente", afirmando que "nada justifica um período inferior ao legal", de um ano de monitorização da qualidade do ar e das condições meteorológicas locais.
APA e CCDR-Norte visadas no estudo
Na DIA, a APA também reconhece que o estudo não apresentou os resultados da modelação de dispersão de partículas PM10 e que as medidas de mitigação propostas são insuficientes para precautelar os riscos de exposição a contaminantes. Contactada pelo JN, a APA não respondeu às questões, enviadas por email.
Já sobre o parecer favorável da entidade responsável pela avaliação da componente "qualidade do ar", a CCDR-Norte, Steyn considerou que as conclusões relativamente à solidez e adequação do estudo contradizem a evidência disponível, sendo por isso insustentáveis. A contradição é agravada pelo facto de a CCDR-Norte, que não respondeu às perguntas enviadas, apontar para a necessidade de maior precisão na monitorização da qualidade do ar e de reconhecer que o estudo realizado não tomou em conta a duração legalmente estabelecida para as campanhas de monitorização, o que impede uma comparação com os padrões estabelecidos para medir a qualidade do ar.
O modelo de dispersão de partículas PM10 resultante das atividades mineiras propostas "não é especificado". Segundo aquele especialista, os resultados apresentados "desconsideram os efeitos da precipitação e os campos de dispersão de PM10 são demasiado planos para a topografia e regime de ventos existente no local, o que torna a modelação irrealista". Steyn diz que "as falhas do modelo de dispersão" não permitem inferir os impactos do projeto na qualidade do ar nem contar com uma base quantitativa que sustente as medidas de mitigação propostas.
A consultora contratada pela Savannah Resources apontou para a possível ocorrência de estanho, tungsténio (volfrâmio), nióbio e tântalo no minério a ser extraído no Barroso. Metais que apresentam risco de toxicidade para populações humanas, plantas, e animais, notou Steyn. No entanto, não foram realizados estudos sobre a concentração destes metais, notou aquele especialista.
"Coloca a nossa vida em risco"
As revelações deste estudo preocupam as pessoas que vivem no Barroso. "A avaliação ambiental feita à Mina do Barroso mancha a credibilidade das instituições públicas e, acima de tudo, coloca a nossa vida em risco", disse Catarina, da UDCB. "Não vamos aceitar isso de braços cruzados. Precisamos de mais vozes responsáveis a exigir a anulação imediata da DIA da Mina do Barroso", acrescentou.
"Cada vez que lemos um novo parecer independente saímos mais preocupados do que antes", argumentou Catarina Alves. "Como é possível dar um parecer favorável a um estudo que não cumpre sequer padrões mínimos de monitorização da qualidade atual do ar em Covas do Barroso? Como é que, perante esta e outras evidências, o Governo ainda tem coragem para afirmar que estão a ser aplicados os mais exigentes padrões de regulação e fiscalização?"
O relatório do Douw Steyn não é o primeiro a apontar fragilidades à Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) da Mina do Barroso. Em 2023, Steven Emerman já tinha alertado para os perigos associados à infraestrutura de armazenamento de rejeitos proposta pela promotora do projeto, que é ilegal em vários países. Segundo aquele especialista, apresenta um risco de colapso que ameaça a bacia hidrográfica do Douro, desde o rio Covas até à foz no Porto.
Em agosto de 2025, o Comité da Convenção de Aarhus concluiu que a APA violou o direito de acesso à informação e participação na avaliação ambiental da Mina do Barroso. A Agência defendeu-se e argumentou que não esteve em causa o cumprimento do procedimento de AIA e muito menos da Consulta Pública, mas "tão- só uma interpretação divergente do Comité de Cumprimento da Convenção" face à aplicação da legislação.
