Moradores da Quinta do Gama, no Bonfim, estão a ser obrigados a sair das habitações. Ilha foi vendida por permuta em 2021.
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"Há cerca de meio ano, dois casais foram embora com os filhos", e estão mais "quatro contratos com ordem de despejo" da Quinta do Gama, contabiliza Nuno Coelho, cuja família vai na quarta geração a morar na ilha que cresceu no interior da extensa propriedade situada entre as zonas das Eirinhas e de Fernão de Magalhães, no alto do Bonfim, centro do Porto.
Na geografia da pobreza da freguesia há várias gerações, a quinta viu, em 2021, o desassossego juntar-se às dificuldades das famílias que vão resistindo naquele enclave invisível para quem cruza a Rua de Barros Lima, de onde pouco mais se nota do que muros graníticos. Integrada numa herança indivisa, a quinta acabaria por ser, nesse ano, alienada por permutas com uma imobiliária, após alguns inquilinos terem sido convencidos a assinar novos contratos de arrendamento, com termo, como relata ao JN Nuno Coelho, que, entretanto, encabeçou uma associação de moradores para tentar travar os despejos.
Nas contas do dirigente associativo moram ali cerca de 30 pessoas, entre adultos e crianças, em 12 casas, mas ainda haverá uma subtração a fazer, porque a família de Fernando Rocha tem "ordem de despejo imediata" do tribunal e terá de deixar para trás a casa onde investiu milhares de euros.
"As pessoas começaram a receber as cartas [do senhorio] e só choravam. Três velhos morreram logo, e os que sobram só pensam nisto", indigna-se Nuno Coelho, que diz já ter pedido ajuda à junta e à Câmara, e lamenta que os residentes tenham sido "abandonados". Entretanto, os novos donos da quinta "fizeram demolições, há três meses, de uma casa e de um armazém", denunciam os moradores.
Entre a resignação e a revolta, Fernando conta que também a cunhada "tem de sair até dezembro". Após enterrarem "muito dinheiro" na reabilitação das casas, e sem possibilidades de fazer face aos preços exorbitantes dos arrendamentos atuais, as duas famílias ficaram à deriva.
Doente e a pagar as propinas da filha, Fernando não sabe para onde virar-se. "Estou a pedir que me ajudem, porque há 27 anos que trabalho e nunca pedi nada", apela o morador de 44 anos, que sofre de paramiloidose (doença dos pezinhos) e é transplantado hepático, tendo uma incapacidade de 65%. "Na casa para onde vim morar não havia soalho, e tive de fazer uma sapata em cimento. Pus tudo novo, a minha casa está direitinha. Gastei, no mínimo dos mínimos, 25 mil euros, e vou perder esse dinheiro aí", lamenta, a olhar para o lar de onde está a dias de sair. Diz estar "inscrito na Domus Social [empresa municipal que gere a habitação social no Porto] há três anos", mas sem perspetivas de que lhe seja atribuída casa a curto prazo.
"Bullyng imobiliário"
Ainda que esteja protegido do despejo pela antiguidade do contrato, Albano não esquece: "Há 40 e tal anos, gastei aqui mais de 1100 contos (5500 euros). Meti a água, fiz o quarto de banho e a cozinha, pus portas novas... Tudo o que tenho ali é meu, porque os senhorios nunca gastaram aqui um cêntimo". Zangado, diz que "estão a dar ordem de despejo a pessoas que gastaram balúrdios para terem condições nas casas".
Ernesto Duarte, que fala em "bullying imobiliário" e num processo "bárbaro", também condena: "Querem chegar aqui e demolir e mandar-nos embora como bichos, mas não é assim".
O JN tentou, mas não conseguiu contactar a imobiliária.