Autarquia convidou população a acompanhar fases de cultivo do cereal nos campos do Baixo Vouga Lagunar.
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“É bom que não deixem esquecer”, diz Maria Emília Silva, minutos antes de uma dezena de pessoas começarem a plantar arroz num campo de Canelas, em Estarreja, ao abrigo da iniciativa municipal “Arroz com História: Tradição em Mãos”, que desafiou locais e visitantes a acompanharem as várias fases de cultivo do cereal. Tem 80 anos e, embora viva no concelho vizinho de Aveiro, passou a mocidade por Estarreja, a ajudar as tias a tratar do arroz: “apanhávamos à foicinha e trazíamos aos molhinhos para o carro dos bois”. Hoje, aceitou o desafio de uma filha e foi recordar aqueles tempos “duros, mas alegres”.
Não é a única que guarda na memória os tempos em que o cultivo do arroz tinha grande expressão no município de Estarreja. Cristina Ribeiro, 66 anos, que nasceu em Canelas mas emigrou para os Estados Unidos, lembra-se bem da azáfama de andar a mondar. Agora que está reformada, voltou a entrar no campo com entusiasmo.
Ao lado de quem mata saudades estão Dulce Moreda e Paulo Domingues, um casal que há meio ano mudou de Valongo para Estarreja e quis conhecer a tradição. Não conseguiram inscrever-se na sementeira, mas participam na plantação e contam acompanhar as próximas etapas: monda (2 agosto), colheita (4 outubro) e prova (8 novembro).
12 orizicultores resistem
Juliana Cunha, coordenadora do museu Fábrica da História – Arroz, instalado na antiga fábrica de descasque do arroz, explicou que a cultura daquele cereal é “identitária” de Estarreja. “Nos séculos passados todo o distrito de Aveiro cultivava arroz, atualmente o concelho de Estarreja é o único”, contou.
Segundo Rogério Saramago, em Estarreja restarão uma dúzia de orizicultores. Ele é um deles. Tem 36 anos e teima em manter - ainda que apenas em part-time, porque “não dá para viver” - uma atividade que “vem dos tempos dos avós”. O cereal produzido nos terrenos da família e em algumas parcelas cedidas por vizinhos é moído numa moagem tradicional com 200 anos (ou num moinho elétrico que tem como alterativa) e depois vendido sob a marca “Arroz de Canelas”.
A iniciativa “Arroz com História: Tradição em Mãos”, que acontece pelo terceiro ano, faz parte de uma estratégia de “incremento da cultura do arroz” no concelho, para “preservar a herança cultural, a biodiversidade no Baixo Vouga Lagunar” e atrair visitantes, referiu a vereadora Isabel Pinto. No seguimento dessa estratégia, a Câmara apresentou, ontem, um novo doce. O “Estarrico” foi criado pelo Chef Luca Arguelles, tem como ingrediente principal o arroz e surge nas versões tarte e queijada.