Levam alegria a um universo muitas vezes marcado pela dor. Os doutores da Operação Nariz Vermelho e da associação Palhaços d"Opital amenizam o sofrimento de quem está no hospital, num trabalho que até aos profissionais de saúde arranca sorrisos. Todas as semanas há visitas destes especialistas em animação. O JN acompanhou duas delas: uma ao IPO do Porto, voltada para as crianças; outra ao Hospital de S. João, centrada nos mais velhos. A "brincadeira" é para ser levada a sério. E os doutores precisam da ajuda de todos para continuarem a espalhar magia.
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Os palhaços são uma cor num mundo cinzento
Operação Nariz Vermelho arranca muitos sorrisos às crianças no IPO.
Alegria, gargalhadas de perder o fôlego e de fazer saltar lágrimas de contentamento, palmas, e uma excitação que mistura adrenalina e brincadeira. Eis alguns dos ingredientes que duas vezes por semana (às segundas e quintas-feiras) são prescritos pelos doutores palhaços, da Operação Nariz Vermelho, no Instituto Português de Oncologia (IPO) do Porto. E engana-se quem pensa que a receita só é passada às crianças.
A discussão entre dr. Paco e dra. Marisol irrompe pelo corredor de quem se dirige para as consultas externas ou para o internamento. "Marisol, estás a fazer batota!", berra o dr. Paco. E continua: "Não se pode calcar as riscas brancas do chão, só as pretas!". Motivo que logo originou ruidosas gargalhadas das crianças, que, já habituadas à sua presença, esperam pelos palhaços antes de entrar para as consultas.
Mas o constante ruído feito pelos "doutores" também faz os mais crescidos espreitarem o corredor para ver o que se passa. E duas mulheres acabam mesmo por dar um salto para as listas pretas, quando intercetadas por Paco e Marisol. Ao lado, toda a gente sorri.
Filomena Maia, educadora de infância e coordenadora da área educativa do serviço de Pediatria do IPO, destaca "a enorme qualidade de intervenção da Operação Nariz Vermelho", salientando o quanto é "importante os momentos de diversão, a interação que os doutores palhaços criam, tornando o dia destas crianças realmente diferente". Evandro, de sete anos, diz que acha os palhaços "muito engraçados e muitos fixes", a ponto de associar a ida ao IPO a uma "brincadeira".
"BALÃO DE OXIGÉNIO"
A mãe, Cristiana Leite, 32 anos, confirma o ambiente alegre: "As crianças, mal os ouvem ao longe, desatam a correr pelos corredores e em cada canto que estão é diversão na certa". "Os palhaços são uma cor num mundo cinzento", acrescenta, valorizando o facto de "até os pais se sentirem acarinhados, uma vez que nem todos têm o apoio de que necessitam".
No estudo "Rir é o melhor remédio", de 2016, que resultou de uma parceria da Operação Nariz Vermelho e da Universidade do Minho, é referido que "92% das crianças esquecem-se de que estão num hospital depois de estarem com os doutores palhaços e 85% dizem que as crianças colaboram mais com os tratamentos ou exames".
Enquanto dr. Paco e dra. Marisol treinam a música e a entrada na igreja como se fossem casar em pleno hospital de dia, Margarida Fernandes, que também faz de dra. Francesinha, ressalva: "A boa disposição, a humanização e esta ligação com a fantasia é um balão de oxigénio para todos, não só para as crianças, mas também para os cuidadores e para os profissionais". E há a certeza de que Gilberto Oliveira e Inês Matos, quando despirem as batas de doutores palhaços, vão ter o sentimento de "missão cumprida".
A minha mãe reagiu. Para mim, isso hoje vale tudo
Palhaços d"Opital centram atenção nos mais velhos e sentem gratidão.
Não são médicos de verdade, nem tão-pouco fazem diagnósticos, mas a receita para uma boa dose de animação pode ser aviada com os doutores Donizete e Risotto, uma das duplas da associação Palhaços d"Opital, com atividade centrada nos mais velhos.
"Amenizar a dor e tentar transformá-la em amor" é o mote para a arte do doutor palhaço, que mistura humor, poesia e música. O processo parece simples, mas a construção de cada personagem começa antes da entrada no hospital. Susana Gonçalves e Jorge Rosado trocam piadas nos corredores e o ambiente vai ficando cada vez mais leve; vestem a pele de Donizete e Risotto e partem para levar felicidade a quem está numa cama de hospital. Não sem antes falar com as equipas médicas para perceberem o estado geral dos pacientes: "Temos de receber muita informação, para depois fazermos o melhor trabalho possível. O palhaço é a personagem menos egocêntrica, está sempre preocupado com o outro. Fica feliz quando deixa o outro feliz", explica Jorge.
A Palhaços d"Opital tem cinco doutores palhaços a tempo inteiro. "Não basta pôr o nariz, não é uma brincadeira, não é para todos, e muito menos para voluntários, é um trabalho profissional de extrema dedicação", sublinha Isabel Rosado, diretora da associação. O grupo faz mais de 250 horas anuais de formação e as dinâmicas podem demorar entre três e seis meses a serem construídas.
Cecília Pereira foi uma das pacientes "apanhadas" pela avalancha de alegria que inundava as salas cinzentas do S. João. Ao longe já se ouvia o som do ukulele acompanhado por cânticos do "malhão, malhão" e lá se soltava um sorriso. Internada há alguns meses, Cecília não pôde deixar de elogiar o trabalho: "Achei uma coisa bonita, engraçada, gostei muito. É uma forma de animar quem está aqui há tanto tempo e de esquecermos a nossa doença".
"é um privilégio"
A gratidão demonstrada vezes sem conta por doentes e familiares motiva o trabalho de Susana, que abandonou a profissão para se dedicar de forma integral à doutora Donizete: "Sinto que melhoramos a vida daquelas pessoas. Noutros sítios não me sentia tão útil, é um privilégio".
No meio de tanta dor, reina a emoção, desta vez a de Luísa Valente, que tem a mãe Amélia longe desta realidade. É conhecida pela doente que gosta dos bonecos e mal reage a estímulos do dia a dia. Por milagre, afirmou Luísa, reagiu ao ouvir os palhaços: "Eu já disse aos Palhaços d"Opital que sou grata por ver que podem aliviar e fazer sorrir pessoas que estão em sofrimento. A minha mãe reagiu; para mim, isso hoje vale tudo".
Com presença em seis hospitais, os "doutores" visitam cada unidade uma vez por semana, mas Isabel Rosado diz que o objetivo "é chegar às duas ou três visitas, dado o tamanho dos hospitais".