Empresária ucraniana deslocou a produção para Portugal, trouxe costureiras e máquinas, já contratou funcionárias locais e não despediu as que ficaram a 200 quilómetros de Kiev.
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Na noite de 24 de fevereiro de 2022, quando o telefone tocou, Miguel Pimenta estava a ver as imagens da invasão da Ucrânia pelas tropas russas na televisão. Do outro lado, estava uma "velha conhecida e antiga parceira de negócios", a empresária ucraniana Olga Yermoloff. O contacto destinava-se a procurar ajuda para trazer a produção da sua marca de vestidos luxuosos de casamento e cerimónia, "Olvi's Lace", para Portugal. Não era o caso de uma deslocalização por motivos económicos, mas por uma questão de sobrevivência.
"Coloquei-me logo em campo. No dia seguinte fui falar com o presidente da Câmara e com a vereadora da Ação Social", conta Miguel Pimenta, o gerente que ontem guiou a visita à empresa do secretário de Estado do Trabalho, Miguel Fontes, e do presidente da Câmara, Domingos Bragança.
Apesar de na altura não manter relações comerciais com a empresária ucraniana, sediada nos Países Baixos e ontem ausente na visita, manteve uma amizade que nesta situação foi importante. "O Município, o Instituto de Emprego e a Segurança Social foram extraordinários na forma como trabalharam em conjunto para que tudo pudesse acontecer rapidamente".
No dia 8 de junho, a empresa começou a funcionar em Mesão Frio, nos arredores de Guimarães. "Trouxemos 39 pessoas, entre funcionários e familiares. Veio também algum equipamento, embora outro tenha sido comprado aqui", esclarece Miguel Pimenta, revelando que em abril vão contratar mais 15 pessoas.
Para já têm "16 funcionárias ucranianas e cinco portuguesas", diz Sergiy Stryzhek, também gerente, procurando as palavras num português ainda limitado. No fim da jornada de trabalho, estudam a língua de Camões durante três horas nas instalações da própria empresa. "Já fizemos o primeiro nível e vamos continuar", diz Sergiy, garantindo que a comunicação com as portuguesas não é um problema.
Futuro dividido
"Tinha uma boa casa e dois carros. Gosto muito daqui e os portugueses foram muito bons, mas lá é a minha terra. Quando a guerra acabar quero regressar", diz Sergiy. Para este ucraniano, Portugal não é um país onde valha a pena viver para ganhar dinheiro, mas há coisas boas. "Tenho um filho com autismo, aqui é muito bem acompanhado na escola e pelos médicos", afirma. Mas, quanto a finanças, "aqui ganha-se um pouco mais, mas é tudo caro".
Viktoria Khmelivska pára de desenhar os moldes de um vestido para dizer que sempre sonhou conhecer Portugal, "mas foi uma pena ter que ser assim". Veio com a filha, de 21 anos, que está a trabalhar em Lisboa, e deixou um filho, de 23, a trabalhar em Irpin. Viktoria procura falar todos os dias com o jovem e fica com "o coração sobressaltado" sempre que não consegue ligação. "Gosto muito de Portugal, quem sabe se quando tudo acabar não o chamamos e juntamos toda a família aqui", suspira.
O secretário de Estado do Trabalho, Miguel Fontes, lembrou que esta situação "colocou desafios, como a necessidade da emissão do número da Segurança Social na hora, que agora devem ser replicados para o resto da população".
Produção residual na Ucrânia devido à falta de eletricidade
A produção da "Olvi's Lace" estava concentrada na cidade de Cherkasy, 200 quilómetros a sul da capital Kiev, na margem direita do rio Dniepre, onde tinha uma unidade com cerca de 100 trabalhadoras. Apesar de a fábrica ucraniana estar reduzida a uma produção residual, por vezes com apenas três horas de eletricidade por dia, a empresária mantém-na em funcionamento para não despedir as funcionárias que não podem sair. A designer Olga Yermoloff vende as suas criações na loja própria em Amesterdão, online e em representantes espalhados por 35 países.