Alberto Nascimento ainda acorda com as ovelhas aos berros, mortas pelos incêndios de 15 e 16 de outubro de 2017. Há três anos, na Região Centro, as chamas mataram 50 pessoas, feriram 70, destruíram total ou parcialmente cerca de 1500 casas e mais de 500 empresas, muitas delas já recuperadas.
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"Passo muitas noites acordado, tomo mais de 20 comprimidos por dia", conta o homem de 58 anos que sofre de Parkinson, diabetes, dos rins, das pernas e da coluna. "Depois do incêndio apanhou uma grande depressão", explica a mulher, Maria de Lurdes.
Alberto mostra uma declaração de prejuízos: 167 mil euros. Quando o fogo chegou a Alambique, Tondela, varreu-lhes o barracão com 132 ovelhas, três cabras, dois porcos, um cavalo e três cães, alfaias agrícolas, uma máquina de ordenhar, um trator e mais de 2000 fardos de palha. Um deles caiu, a arder, em cima de Hermínio Lopes, o pastor que morreu a tentar salvar os animais. "Quanto mais o meu filho mexia na palha para o salvar, mais se incendiava e teve de sair dali a correr. Escondeu-se numa poça de água, mas sofreu queimaduras", conta Maria de Lurdes. Também ela e a sobrinha fugiram, na mala de um carro da vizinha. "Eram bolas de fogo a cair por todo o lado", recorda.
Alberto aponta para uma fotografia na qual Marcelo Rebelo de Sousa, sentado num papa-reformas, consola o condutor de 80 anos, que chora pela perda de um barracão e alfaias agrícolas. "Este idoso era o meu pai", revela, referindo-se a Manuel Nascimento, que morreu, um ano e pouco depois.
"O presidente da República disse que passado um mês teríamos ajuda. Sabe quanto nós recebemos até hoje?" , pergunta. "Zero ajudas. Zero!", diz Alberto , que só queria metade do barracão construído para retomar a criação de animais e venda do leite.
"Era a minha atividade e estava legalizada, mas como o barracão não estava licenciado, não nos apoiaram a reconstrução. "Tanto prejuízo e nem um cêntimo nos deram. Não é fácil, às vezes também me vou abaixo", confessa.
Ajuda de familiares
"Não me envergonho de dizer. Hoje, se não fosse a ajuda dos meus filhos, não sei como seria. Vivemos do rendimento social de inserção. São 308 euros e só 100 euros vão para os medicamentos do meu marido", conta Maria Alice, 52 anos, sem idade para a reforma nem para arranjar trabalho.
Pedro Custódio, 46 anos, e o sócio, Rui Custódio, passaram os últimos três anos sem saber se teriam apoios para reconstruir a empresa de venda de automóveis, pneus e onde também funcionava um centro de lavagem, em Tondela. Ficou tudo no chão, incluindo 50 carros, com prejuízos de 400 mil euros.
O contrato de concessão, que cessou automaticamente com a perda da empresa, gerou muitas dúvidas e atrasos no acesso aos apoios, que não abrangia stocks.
Quintal a arder
Pedro que, na noite do incêndio, tinha o quintal de casa a arder, em Nagosela, foi avisado de que o stand estava em chamas. Quando chegou , com o dia a nascer, não havia fogo, só destruição. "Caí de joelhos a chorar", relata o empresário, que ainda é acompanhado psicologicamente.
As obras começaram há um mês, após a aprovação de um apoio inferior a 235 mil euros. "Ainda não tinha tido coragem de entrar aqui", admite.
Nos últimos anos valeram-lhe as poupanças, a venda de meia dúzia de tratores que escaparam e o dinheiro do seguro. "Nunca parámos a atividade" conta Pedro, que assegura: "Só não me fui abaixo porque sabia que não era caso único".
Saiba mais
Casas recuperadas
Três anos depois, e até início deste mês, segundo os dados da CCDR Centro, dos 851 projetos aprovados para reconstrução de habitações permanentes, estão concluídos 99,06%.
Em execução
Faltam concluir oito casas em: Góis (1) Oleiros (1), Oliveira do Hospital (2) Penacova (1), Tábua (2) e Tondela (1).
Empresas
Os fogos causaram prejuízos em empresas no valor de 268 milhões. Segundo a CCDR Centro, foram aprovados 104 milhões de financiamento, dos quais já foram pagos quase 80 milhões.