Salreu e Canelas discordam das fronteiras. População está dividida. Há quem viva na mesma casa e pertença a freguesias diferentes.
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A freguesia de Salreu e a união de freguesias de Canelas e Fermelã, em Estarreja, não se entendem quando à delimitação do território. Salreu baseia-se em documentos históricos para dizer que a divisão é a sul do rio Jardim, estendendo-se a nascente pela encosta. Canelas aponta o rio, o limite que figura na Carta Administrativa Oficial de Portugal (CAOP). No meio está uma faixa de dois quilómetros quadrados, com dois aglomerados populacionais igualmente divididos: quem habita nas ruas do Valdujo e Enxurreira sente-se de Salreu. Quem tem casa no outro extremo, assegura que é de Canelas.
O impasse é tal, que a Junta de Salreu avançou, em 2015, com um processo no Tribunal Fiscal e Administrativo de Aveiro, para "reaver" a área. A Junta aponta um documento, datado de 1741, que o advogado Marco Pereira encontrou no arquivo da Universidade de Coimbra, que fixava a fronteira entre as então paróquias (mais tarde freguesias). Desde essa data, "não aparecem mais documentos que tenham alterado a fronteira", explica o também historiador. Ao processo juntou "mais de 100 documentos", incluindo "registos antigos", que indicam aquelas áreas como sendo Salreu.
Manuel Almeida, presidente da Junta de Salreu, diz que o problema ganhou dimensão há uma década, por causa das ruas do Valdujo e Enxurreira. A CAOP terá, por "erro", colocado aquelas ruas como pertencendo à freguesia de Canelas e o INE terá usado o mapa como referência para os censos de 2011. Conforme aqueles moradores foram renovando documentos, as moradas começaram a ser alteradas e a revolta instalou-se.
Não vão às urnas
A situação afastou muitos das urnas. "Não voto mais enquanto não resolverem isto. Eu moro em Salreu, mas metem nos documentos Canelas", lamenta Francisco Gonçalves, da Rua do Valdujo. "Enquanto disserem que é Canelas, não vou votar", diz Generosa Assunção, da Enxurreira, explicando que a carta de condução do marido tem Salreu e no seu cartão de cidadão aparece Canelas, mas moram na mesma casa. Foi por estes e outros problemas que Daniela Rebelo promoveu um abaixo-assinado para o INE.
No outro aglomerado, encostado a Canelas, as pessoas também se revoltam, mas quando lhes dizem que, afinal, poderão ser de Salreu. No lugar da Bandulha, Almerinda Machado e Rosa Andrade garantem que "a divisão é pelo rio" e, por isso, são de Canelas. "A casa está registada em Canelas", refere Maria Fernanda Lapa.
Gabriel Tavares, presidente da união de Canelas e Fermelã, defende o limite pelo rio, como aparece na CAOP. "Os terrenos estão registados em Canelas e o INE também reconhece que é a nossa área", diz, aguardando o desenrolar do processo "com serenidade".
O JN não obteve resposta do Ministério da Modernização do Estado e da Administração Pública nem da Direção-Geral do Território sobre quais os limites.
Alerta do Instituto Nacional de Estatística
Daniela Rebelo, residente na Rua da Enxurreira, promoveu um abaixo-assinado que seguiu para o Instituto Nacional de Estatística (INE), a pedir que "seja corrigido" o que consideram ter sido um "erro" nos últimos censos, em 2011, altura que aquelas ruas terão sido atribuídas à freguesia de Canelas. O documento, enviado este mês, pretende aproveitar o facto de estarem a decorrer novos censos para alterar a situação, pois desde que tal aconteceu, os habitantes daquela área têm de ir votar a Canelas. Foi assinado por "cerca de 25 pessoas, ou seja, todos os maiores de idade que moram nas ruas da Enxurreira e Valdujo", especifica Daniela.
Esta moradora foi surpreendida quando foi renovar o cartão do cidadão. "Ligaram-me a dizer que o processo não ia avançar, porque o código postal era de Canelas". Falou com outras pessoas, percebeu que o desagrado era comum e que a "troca" surgira aquando dos censos, pelo que decidiu alertar o INE.