Estudantes deixam de almoçar no pátio, porque são atacados por gaivotas, mas queixam-se da falta de lugares alternativos. A direção da Faculdade de Letras já usou um falcão eletrónico, mas não foi eficaz. Um verdadeiro não é opção pelos "custos elevados".
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As gaivotas que sobrevoam o Porto em pleno 2023 não são, certamente, da mesma espécie das que Amália Rodrigues cantava em 1969. Pelo menos para os estudantes da Faculdade de Letras do Porto, as aves têm sido verdadeiras vilãs numa história que termina com os alunos sem o almoço. O roubo da comida é cada vez mais frequente e a instituição até já recorreu, sem êxito, a um falcão mecânico. Um verdadeiro é demasiado caro.
Quando se aproxima a hora de almoço e à medida que a esplanada do bar vai ficando cheia, começam a aparecer as gaivotas no alto das fachadas que envolvem o pátio. Com um voo agressivo, a passarada desce até às mesas e leva a comida que consegue. Os alunos, assustados, acabam por ir embora, muitas vezes sem almoçar.
"É desagradável", relata Jéssica Magalhães, uma das vítimas. "Eu acho que elas gostam de espetadas. Uma vez levaram-me uma, mas já tinham roubado duas ou três antes", brinca a jovem.
"Vamos embora. Eu não gosto nada delas". As palavras são da caloira Isabel Pereira para os amigos, enquanto atravessam o pátio, onde as gaivotas atacam. Tal como Isabel, "há quem tenha medo e evite permanecer ali". O problema não é de hoje, mas está pior, refere Isabel: "Desde que entrei, avisaram-me logo "tem cuidado com as gaivotas". Mas tenho a ideia que não era tão mau. Agora é todos os dias e são mais violentas".
Faltam espaços
Ao JN, a diretora da faculdade declarou que já tentaram expulsar as gaivotas com um falcão eletrónico, "mas ao fim de algum tempo elas perceberam que a ameaça não era real e voltaram". Paula Pinto Costa adiantou ainda que foi equacionada a utilização de um falcão verdadeiro, mas "isso foi descartado por ser economicamente incomportável".
Muitos estudantes acabaram por ceder aos ataques frequentes dos pássaros e desistiram de frequentar a esplanada. Contudo, o problema não ficou por aí. Os alunos dizem que as gaivotas chegam a invadir o bar da faculdade, onde os lugares também não são suficientes para todos os que querem ali comer.
Aves entram no bar
Desde que foi vítima das gaivotas pela primeira vez, a caloira Andreia Mourão não almoçou mais no pátio e chegou a comer "de pé, junto às mesas de matraquilhos". "A comida do bar não é permitida na cantina, e por isso tenho de arranjar outro sítio", explicou.
Luís Agra também contesta: "A falta de espaço para a quantidade de alunos é absurda. Não cabemos todos lá dentro. E como a hora de almoço é reduzida, ainda pior". Já o amigo Lucas Frias acrescenta: "Não é por estarmos lá dentro que nos livramos. Já tivemos gaivotas nas mesas ao nosso lado".
A faculdade reconhece a carência de áreas para refeições, mas observa que "a direção não consegue inventar mais espaços".
Drones são opção para chegar aos ovos mais inacessíveis
Dos 794 ninhos de gaivotas identificados nas zonas costeiras da Área Metropolitana, 61% situavam-se no Porto, sobretudo no Centro Histórico. Os números são do Plano de Ação para o Controlo da População de Gaivotas, encomendado pela Área Metropolitana do Porto, desenvolvido entre 2021 e 2022. Além do Porto, o estudo também abrange os municípios de Gaia, Matosinhos, Vila do Conde e Póvoa de Varzim.
"A grande maioria dos ninhos situa-se em edifícios particulares (cerca de 90%), maioritariamente em telhados tradicionais (85,5%), o que pode dificultar intervenções físicas nos locais de nidificação", pode ler-se no documento.
Para impedir e minimizar a reprodução em espaço urbano, é proposta "a aplicação de óleo impermeabilizante nos ovos". Cria-se assim uma camada que impede as trocas gasosas entre o embrião e o exterior, inviabilizando o ovo.
O método é eficaz, mas a dificuldade assenta no acesso aos telhados onde se encontram os ninhos. Para contornar o problema, o plano prevê a utilização de drones adaptados. A par, também são equacionadas penalizações para quem alimentar as aves.
Em telhados de fácil acesso, a remoção dos ninhos ou dos ovos é uma hipótese. Ainda assim, este processo deve ser repetido semanalmente.
"Cada município deverá desenvolver um programa de controlo de nidificação, que deve ocorrer durante a época de reprodução (entre abril e início de junho)".
Para minimizar a problemática, incluem-se várias campanhas de sensibilização.
Pormenores
Espécie dominante
Na região, a gaivota-de-patas-amarelas é a espécie mais frequente. Vive mais de 20 anos e não tem um comportamento migratório. Destaca-se pela grande adaptação à presença humana.
Águia no McDonald's
Não é só no Campo Alegre, onde fica a Faculdade de Letras, que o problema se põe. Na Ribeira e na Baixa, por exemplo, nem os turistas escapam e muitas vezes ficam mesmo sem a comida. O McDonald's dos Aliados "contratou" um falcão para afastar as gaivotas da esplanada.