Projecto de formação em artes do espectáculo entusiasma moradores de Santo Tirso. Maioria mora em bairros sociais. Iniciativa prolonga-se até Março de 2011.
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Durante aquelas quatro horas, renovadas a cada semana, todos se tratam por "tu", de igual para igual: quebrar formalidades e barreiras sociais foi a primeira batalha de Romeu Pereira, formador da Associação Teatro Construção.
Cumprida a missão, a segunda etapa era ensiná-los a ler. Porque "não sabiam". Rapazes e raparigas, de "13/ 14 anos", a tropeçar nas letras. "Liam muito devagar e sem respeitar pontuação. Agora, já interpretam um poema", diz o encenador. A estreia foi com "Cântico Negro", de José Régio. "A minha primeira vitória", orgulha-se Romeu. Longe, porém, de ser a única.
Oriundos, na maioria, de bairros sociais de Santo Tirso, os 30 protagonistas da formação em artes do espectáculo, que há um ano está a ser promovida pela autarquia tirsense graças a uma candidatura a fundos comunitários para animação do espaço público, conquistam confiança, auto-estima e rasgam horizontes.
"Engrandece-os claramente", observa o professor de artes circenses. E eles, gente entre os seis e os 50 anos, andam, quase literalmente, nas nuvens. Trepam uns pelos outros e caminham assim, pés nos ombros dos colegas, as pernas destes a fazer as vezes de andas, os braços abertos como se fossem asas. Filipa vibra: "Gosto de andar em cima", sorri, encaixada nuns elegantes 15 anos. O aproveitamento escolar melhorou em "algumas disciplinas. Matemática, Português e Educação Física".
"Estamos a educar", assume Romeu Pereira, explicando que o objectivo da formação passa, ainda, por "integrá-los e retirá-los de ambientes que não são tão propícios para estas idades". Depois do casting seguiu-se o processo negocial com os pais. "Não estavam habituados. Eles [os jovens] não estavam inseridos em nada. Foi preciso adaptar os horários dos ensaios e pedir aos pais para os deixarem voar", lembra Carla Rodrigues, educadora social.
Projecto alargado
Inês, 10 anos desembaraçados, voaria se pudesse cumprir o sonho de ser cantora. "Gostava muito" - a menina loira cerra os olhos escuros e inquietos, como se pedisse aos céus o desejo. Promete aplicar-se mais nas aulas de música. "Até ter excelente". Deixa em aberto a possibilidade da representação. "Se conseguisse, era bom. Se não conseguir, não fico triste. É uma tentativa", esclarece. Para Diogo, que, aos 16 anos, "queria entrar num filme", será, porém, uma determinação. Quando completar o 9º ano, tentará um curso de teatro.
A formação alargou-se, entretanto, a toda a comunidade de Santo Tirso. "Para não ficar rotulado como um grupo de bairros sociais", explica Carla Rodrigues. Arlete respondeu ao desafio e descobriu o teatro. Aos 31 anos, usa-o, ainda, como "terapia" para superar dificuldades familiares.
Novo desejo de Inês: "Quem dera que todos os dias fossem sábado". A pequena de cabelo amarelo sabe que esta é uma aspiração impossível, até porque a iniciativa tem prazo de validade - até Março de 2011. O entusiasmo do encenador dá alento: "A ideia é o projecto não ficar por aqui e criar um grupo de teatro ou animação".