Germil não tem crianças há décadas. Localizada no alto da serra Amarela, em Ponte da Barca, tem 49 habitantes, a maior parte com mais de 60 anos.
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Maria Gonçalves, de 93 anos, passa o dia em casa à lareira, mas a alegria vem de espreitar pela porta as ruas desertas da terra que a viu nascer, Germil, em Ponte da Barca. A habitante mais velha da aldeia, situada no alto da serra Amarela, ainda recorda o tempo em que por ali havia "muita canalha". A última das três antigas escolas primárias de Germil encerrou nos anos 90 do século passado. Os edifícios foram transformados em habitação e sedes da junta de freguesia e de uma associação local. Há muito que não se vê uma criança. A última nasceu há 20 anos.
"É triste ver estas aldeias a ficarem desertas", comenta o presidente da União de Freguesias de Entre Ambos-os-Rios, Ermida e Germil, Francisco Lopes, revelando que no universo de 760 habitantes daquelas três aldeias serranas existem 39 meninos e meninas. Mas Germil não contribui para a taxa de natalidade. "É quase tudo gente reformada. Emigrantes que voltaram e outros que estão na terra, mas também já se reformaram. A maioria tem mais de 60 anos", assegura.
abandono e Turismo
Joel, de 20 anos, filho de João Pereira, com 58, anterior presidente de Junta de Germil, e Maria, de 59, foi o último a nascer. "Isto é o abandono do poder central. Só ficam nestas aldeias distantes quem gosta e realmente tem raízes e os seus pertences", considera o antigo autarca, que comandou os destinos da freguesia durante 27 anos. Afirma que a maioria dos habitantes "emigrou para França" e que o turismo tem levado à reconversão das antigas habitações, que "durante muito tempo estiveram abandonadas". "Temos oito casas de turismo rural e não descarto a possibilidade de virem a existir mais", refere João, com quem o mais novo habitante da aldeia ainda vive.
Vigilante da natureza, o seu filho Joel trabalha na localidade vizinha de Terras de Bouro, e estava ausente no dia da reportagem. O pai tem a esperança de que o seu descendente ou a sua filha mais velha, que tem 30, sejam agora os próximos a gerar bebés para Germil. Recorda que quando chegou a presidente de Junta, no início dos anos 90, "ainda havia nascimentos". "Na altura devíamos ser uns 70 habitantes. Houve uma altura que chegou aos 120, mas nunca foi além disso". A mulher Maria Pereira, a última a dar à luz na terra, brinca com a situação: "Aqui não há canalha, mas também não chateiam... há idosos, que se portam bem".
Gracinda Rodrigues, de 67 anos, toma conta das duas habitantes mais velhas de Germil: a mãe Maria e a irmã desta, a tia Rosa, de 90 anos. Conta que a progenitora já tem princípios de demência e "não gosta de se ver fechada". "Quer sempre a porta aberta...", desabafa. A nonagenária sorri abraçada a Rosa. E espreita pela porta. "Gostava de ir dar uma voltinha, mas com esta idade já não vou. Está frio. Os velhos querem-se ao lume".
Em Germil, uma boa parte das habitações estão fechadas. Pertencem a filhos da terra, emigrantes. Há as referidas oito de turismo rural e um café. E a aldeia serrana é servida por carrinhas que ali se deslocam para levar pão, peixe e mercearia.
Pascal Mendes de 24 anos, apitou à porta de Gracinda, Maria e Rosa, com a sua "mercearia ambulante". Todos os dias sai de Arcos de Valdevez com a carrinha para fazer "a volta". "Tenho dias de fazer 100 quilómetros, outros 50. Sempre pelas aldeias. A ideia é ir onde não há mercearia. Ganhamos nós e as pessoas que assim não precisam sair para fazer compras", justifica. "Por aqui só se vê gente de mais idade. Não há crianças", confirma.
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Enfermeira
A população é visitada periodicamente por uma enfermeira.
Sem saneamento
A aldeia não possui saneamento básico, nem abastecimento de água da rede pública.
Sozinhos no fogo
O ex-presidente de Junta João Pereira refere como exemplo do isolamento um grande incêndio que "cercou a aldeia, durante dois dias, em 2010". "Não apareceu aqui ninguém. Fomos nós que apagamos o fogo", conta.
Sem covid
Até ao passado dia 6, a aldeia de Germil não tinha registado nenhum caso de covid-19.