Mandato foi prolongado até 31 de dezembro de 2021, mas João Casteleiro permanece em funções. Advogado alerta para o risco de nulidade dos atos.
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Há mais de um ano que o médico João Casteleiro exerce as funções de presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar da Cova da Beira (CHCB), sem que tenha sido reconduzido, o que pode pôr em causa a validade dos seus atos. A pretexto do combate à pandemia, o administrador beneficiou de uma autorização da tutela para continuar na liderança da instituição de saúde da Covilhã até 31 de dezembro de 2021. Ou seja, o prazo terminou há mais de um ano.
Acresce que está a caminho de completar 72 anos, o que obrigaria a que a continuidade do vínculo tivesse por base um "interesse público excecional, devidamente fundamentado". E que fosse feito mediante a assinatura de contratos de seis em seis meses ou nomeação transitória. É o que prevê a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, alterada em fevereiro de 2020 e que passou a permitir o exercício de funções públicas a maiores de 70 (ler ao lado). Por esta razão, a validade dos seus atos pode vir a ser questionada.
Paulo Veiga e Moura, advogado especialista em contratação pública, admite ao JN que, não havendo vínculo legal com a tutela, "os atos praticados são válidos até ao momento em que alguém invoque a nulidade e seja declarada". Não poderá ser de outra forma, "até para proteção de terceiros", diz o causídico.
Xavier Barreto, presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, desconhece o caso concreto, mas admitiu que a situação no CHCB seja comparável à transitoriedade das administrações que ficam em funções até nova nomeação.
Contactado pelo JN, o cirurgião João Casteleiro - que também é presidente da Assembleia Municipal da Covilhã, eleito nas listas do PS - não respondeu às questões que lhe foram endereçadas por email na quarta-feira passada. O mesmo aconteceu com o Ministério da Saúde e com a Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde (SNS) que, questionados sobre esta situação, ficaram em silêncio.
Ministro deixou elogios
No âmbito da iniciativa "Governo mais próximo", que nos dias 25 e 26 do mês passado levou António Costa e os ministros a todos os concelhos do distrito de Castelo Branco, Manuel Pizarro esteve na Covilhã, onde deu sinais de que pretendia manter João Casteleiro na presidência do CHCB. "Seria uma perda para a Covilhã, para a Cova da Beira e para o SNS que alguém como João Casteleiro não pudesse continuar a colaborar connosco, reconhecidas que são as suas qualidades como pessoa, como médico e como gestor público", afirmou o ministro.
Recorde-se que, em outubro de 2020, o administrador foi admoestado pela Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) devido a irregularidades na instituição. Numa auditoria levada a cabo em 2019, a administração do Hospital da Covilhã foi apontada a dedo por não ter acatado o imperativo legal que, à data, mandava desencadear a abertura de concurso para as direções de serviço clínicas e não clínicas.
Passaram mais de dois anos e não foram abertos concursos, nem para a área clínica nem para as chefias administrativas que continuam sem auferir o vencimento que lhes corresponde.
Lei prevê renovações semestrais
Em janeiro de 2019, o Governo alterou a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas - onde a regra é passar à reforma aos 70 anos - e incluiu uma exceção. "Em caso de interesse público excecional" e desde que fundamentado, o funcionário público pode pedir para continuar a trabalhar. O trabalhador deve fazer o pedido junto do empregador seis meses antes de completar os 70. Se for aceite, o vínculo laboral no emprego público vigora por seis meses, que podem ser renováveis por "períodos iguais e sucessivos". O limite é até aos 75 anos. Os trabalhadores recebem a remuneração, tendo em conta as funções que exercem no local de trabalho, e mantêm igualmente o direito à pensão de velhice, quando o montante é superior ao salário. Ou seja, recebem a diferença entre a remuneração e a reforma. A 30 de junho de 2022, havia 352 pessoas com 70 ou mais anos a trabalhar na Função Pública, segundo o Ministério da Presidência.
Pormenores
Há duas décadas
João Casteleiro tem no currículo duas décadas de gestão no Centro Hospital da Cova da Beira. Na comissão administrativa, na direção clínica e na presidência do conselho de administração. No dia 7 de agosto completa 72 anos.
Mandato prolongado
A 6 de agosto de 2021 foi publicada em "Diário da República" a determinação da tutela que autorizava a conselho de administração a manter-se em funções até 31 de dezembro desse ano.
Chefias intermédias
O Decreto-Lei 18/2017 passou a exigir que as chefias intermédias fossem ocupadas mediante a abertura de concurso, mas não só não foram abertos como o regulamento interno do CHCB em vigor desde 2015 nunca foi atualizado.