Guardas-noturnos: "Já fui agredido à frente do meu filho quando ia ao supermercado"
Há dez anos que os concelhos de Gondomar e de Matosinhos tem guardas-noturnos a vigiar as ruas. O Porto está agora a lançar o concurso para atribuição de licenças e fixação de áreas de intervenção. Um trabalho que não substitui as forças de segurança, mas que funciona em permanente articulação.
Corpo do artigo
E são muitos os casos de sucesso relatados. Os que trocam o dia pela noite, e que ficam de olhos bem abertos, enquanto a população dorme, não se imaginam a fazer outra coisa. Mas, atendendo aos riscos diários que passam, os guardas-noturnos queixam-se que "o Estado devia reconhecer a profissão" e dar-lhes "outras condições".
Andamos muitas vezes ao deus-dará"
José Sampaio, 56 anos
José Sampaio trabalhou durante 22 anos como vigilante numa empresa de segurança privada e, quando se viu no desemprego, descobriu que existia a profissão de guarda-noturno. "Na altura, tinha ainda três filhos para criar e só com a minha mulher a trabalhar; houve alturas em que não tinha para pagar a renda", recordou.
Através da Associação Sócio-Profissional dos Guardas-Noturnos, Sampaio, como é tratado, soube que já existiam profissionais a desempenharem essas funções noutras zonas do país, mas em Matosinhos ainda não.
Foi preciso esperar até 2012 para se tornar guarda-noturno na Senhora da Hora, onde vive. Mas não do território todo. No concelho de Matosinhos, há atualmente sete guardas-noturnos. Sampaio faz "da estação de metro para a frente", conta. O que inclui zonas como a rotunda dos Golfinhos, Avenida Calouste Gulbenkian, Estádio do Mar, Circunvalação até à Cooperativa de Habitação As Sete Bicas.
Percurso que, depois de "picar o ponto" na esquadra de Custoias, por volta das 23 horas, "roda" várias vezes. "Faço entre 120 e 130 quilómetros por noite, gastando uma média de 350 euros por mês só em gasolina", confessou.
Uma fatura "pesada" para o que recebe, que apenas é assegurado pelos "associados" - moradores e comerciantes - que consegue arrecadar. "Cada um paga dez euros por mês", referiu, mas "do dia 1 ao dia 20 tenho de andar a recolher o dinheiro porta a porta", frisou.
À precariedade da profissão, o guarda-noturno confessa que se sente "muitas vezes inseguro". "Temos gás-pimenta, bastão, taser, mas não temos arma e corremos riscos, andando ao deus-dará".
Não desisto, porque é disto que eu gosto"
Pedro Abreu, 40 anos
"Já fui agredido à frente do meu filho quando ia ao supermercado, já me mataram duas cadelas com veneno, já me partiram o carro com um martelo, é complicado... mas não desisto desta profissão, porque é aquilo que gosto de fazer". O testemunho de Pedro Abreu, guarda-noturno em Valbom, Gondomar, resume alguns dos riscos da profissão, da qual diz sem rodeios não ter "medo". Ainda este mês, na Rua Luís de Camões, Pedro impediu que quatro homens roubassem catalisadores de viaturas e deteve dois deles, até à chegada da Polícia.
Motivo que levou o presidente da Câmara de Gondomar, Marco Martins, a reconhecer que a criação do serviço de guarda-noturno no concelho, em 2012, é "uma aposta ganha".
No entanto, por conta da pandemia, e por mais pessoas estarem em teletrabalho ou terem mesmo perdido o emprego, os guardas-noturnos têm perdido clientes.
"Só em novembro perdi 17", lamentou Pedro, que defende que "o Estado devia reconhecer a profissão" para terem acesso "a outras condições".
Nomeadamente, ao curso de Formação Técnica e Cívica da PSP, para uso e posse de arma, que é lecionado em Lisboa. "Como é caro e ainda temos de pagar a estadia, a maioria acaba por não o fazer e, por isso, não pode usar arma", lamentou Pedro.
É urgente um estatuto legal"
Delfim Rodrigues, 65 anos
Delfim Rodrigues foi há dez anos o primeiro guarda-noturno que entrou ao serviço em Gondomar. Mais concretamente em Baguim do Monte, numa altura em que havia o registo de muitos assaltos na zona industrial e na Quinta da Missilva.
Desde então, as "coisas estão mais calmas", assegura, mostrando que tem vários alarmes de casas e estabelecimentos de "associados" ligados diretamente ao seu telemóvel. Já à porta de cada cliente, há autocolantes amarelos a avisar que é uma zona vigiada.
Delfim, que é o "o único" guarda-noturno em Gondomar com direito a porte de arma, reclama : "É urgente que o Estado confira um estatuto legal digno aos profissionais desta atividade".
É frequente irmos à farmácia"
José Teixeira, 65 anos
Antes de ser guarda-noturno em S. Mamede Infesta e Leça do Balio, em Matosinhos, José Teixeira foi vigilante num prédio e daí privilegiar "a relação próxima com os associados". "Quando um deles é assaltado, fico chateado. É como se tivesse sido comigo", descreveu.
Daí que também saliente que "é frequente os guardas-noturnos irem à farmácia sempre que algum cliente precisa, sem levar mais dinheiro por isso". "Todos as noites vou a casa de uma cliente ajudar a deitar a mãe", frisou.
Já sobre a profissão, José Teixeira defende que "as autarquias deveriam colaborar mais connosco e até divulgar melhor a atividade".