Pedidos de ajuda alimentar não param de aumentar no Porto. Coração da Cidade auxilia cerca de duas mil pessoas. Juntas de freguesia levam refeições a casa dos mais carenciados.
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No Coração da Cidade, o fogão acende-se de manhã cedo para saciar a fome das duas mil pessoas apoiadas pela associação. Sediada no Porto, ajuda sem-abrigo e famílias carenciadas. Lasalete Piedade, fundadora e diretora do projeto, coordena as operações. Há que confecionar os alimentos e preparar os kits. Com o surgimento do novo coronavírus, os pedidos de auxílio aumentaram. Em média, por dia, batem à porta 60 novas pessoas em busca de alimento. As juntas de freguesia do Porto também registam uma subida significativa dos pedidos de ajuda alimentar das famílias.
No Coração da Cidade, a triagem é feita consoante os rendimentos. Ainda assim, para dar a quem mais precisa a oportunidade de adquirir bens essenciais a preços simbólicos, a associação abriu o Mercado dos Anjos, no número 840 da Rua de Antero Quental. Nas prateleiras há um pouco de tudo. Produtos para confecionar, comida pronta a aquecer, artigos de higiene, pão e alimentos para gato.
"Se não tiver que vestir, invento. Mas, se não tiver o que comer, não tem forma de inventar. Há gente que tem medo de vir cá fora pedir pão. Há pessoas com vergonha, que é um outro vírus, de pedir de auxílio", contou Lasalete Piedade.
Centro histórico
A par das associações de solidariedade social, no Porto, as juntas têm criado mecanismos para apoiar os mais carenciados. A União de Freguesias do Centro Histórico está a distribuir refeições e cabazes com produtos alimentares. "Era um trabalho que já fazíamos, mas não com esta dimensão. Neste momento, estamos a ajudar 547 pessoas e ainda não deixamos ninguém para trás, mas estamos preocupados com o mês de maio", revelou o presidente, António Fonseca, apelando à solidariedade de todos. Além dos cabazes e das refeições que são entregues em casa, "para não expor as pessoas", a Junta entrega "máscaras, produtos de higiene, fraldas e frascos de álcool-gel que serão sempre abastecidos".
Zona oriental
Para colmatar as necessidades da zona oriental, as juntas de Campanhã e do Bonfim assinaram um protocolo com a associação Benéfica e Previdente, "que tem dado uma ajuda muito especial indo a casa dos utentes mais vulneráveis", como contou o autarca de Campanhã, Ernesto Santos.
Aos pedidos de ajuda, "que têm aumentado", a Junta responde em colaboração com o Banco Alimentar. "Entregamos cabazes e felizmente tem havido muita solidariedade, mas é muito difícil chegar a todos", diz o presidente, sublinhando que a Junta deu milhares de máscaras e 500 viseiras.
Sem apoios do Estado, Lasalete Piedade diz precisar da ajuda da Câmara do Porto para instalar um pavilhão dentro do edifício da instituição e, assim, poupar os 800 euros de renda que paga pelo Mercado dos Anjos. Todos os meses, as despesas globais da associação rondam os 30 mil euros. A luta é diária. Faz-se das tripas coração para contornar a fome e suportar os gastos. Recentemente, Lasalete Piedade teve de contrair um empréstimo para "sustentar a associação". Também António Fonseca reclama apoio do Estado. "Lamento que o Governo não se esteja a aperceber do apoio que as juntas estão a dar. Se não fosse essa ajuda, creio que a situação seria ainda mais dramática", observa.
Marcelo Rebelo de Sousa recebeu Bancos Alimentares e Cáritas
Desde 20 de março, a Federação Portuguesa dos Bancos Alimentares Contra a Fome registou mais de 14 mil pedidos de ajuda. De acordo com a presidente, Isabel Jonet, esse número representará cerca de 59 mil pessoas "que não estavam habituadas a depender de ajudas sociais".
"Foi preciso reconstruir a rede de apoio social", explicou Isabel Jonet, à saída de uma audiência com o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. "Há muitas famílias que ainda vão ter longos meses difíceis pela frente", disse. No país, as zonas mais afetadas serão a Grande Lisboa, Setúbal, Porto, Braga e Algarve. A responsável mostrou-se preocupada com a "situação de desemprego após lay-off".
Isabel Jonet realça que continuam a surgir "muitos pedidos", ainda referentes à primeira semana de maio. "É incrível ver todos os dias mais de mil pedidos. É algo que nos é muito constrangedor porque um pedido podem ser 30 pessoas", justifica. Também Eugénio da Fonseca, presidente da Cáritas, revelou que a associação investiu cerca de cem mil euros para apoiar várias famílias na questão da alimentação, perspetivando a necessidade de se iniciar uma campanha de solidariedade nacional. A.C.