Pandemia travou turismo e reservas caíram a pique. Proprietários aflitos tentam manter algum rendimento.
Corpo do artigo
A crise instalada no alojamento local (AL) levou muitos proprietários a colocarem as casas no mercado de arrendamento tradicional. O fenómeno é visível no Porto, onde há mais de 8700 registos de alojamento local (dados de final do mês passado).
Com a pandemia, o fecho das fronteiras e os consecutivos estados de emergência, praticamente todas as reservas foram canceladas deixando os proprietários sem rendimentos. Com poucos apoios e sem rede de suporte, a opção foi colocar os alojamentos locais no mercado de arrendamento de médio e longo prazo. A própria Câmara do Porto aprovou recentemente um programa para colocar no mercado de arrendamento casas até agora no alojamento local.
Para os pequenos proprietários o cenário é mais doloroso. Catarina Vieira gere um AL há quatro anos. Tinha todas as datas reservadas até setembro, mas foi quase tudo cancelado. Arrendou o espaço a meio de abril e apenas consegue 10 euros de lucro. "Decidi desistir porque com a crise percebi quão frágil é este mercado. Vou deixar o espaço arrendado até se pagar e vou emigrar", admite a jovem de 29 anos, lamentando a falta de apoios à atividade. "Tenho colegas que viviam disto e estão a ter de ir comer na sopa dos pobres", revela.
São já uns milhares a passar para esta solução para evitar ficar sem nada, admite Nuno Trigo, presidente da delegação Norte da ALEP - Associação do Alojamento Local em Portugal. "90% das reservas foram canceladas por isso a quebra foi muito significativa. Temos cerca de 10 mil alojamentos registados e uns bons milhares passaram para o arrendamento de médio ou longo prazo". A transição para esse mercado de arrendamento é um "penso rápido numa ferida demasiado grande", conta Alexandra Novo, com cinco apartamentos em regime de alojamento local.
"Apoios quase nulos"
"Os apoios são quase nulos e por isso não tive outra hipótese", explicou a proprietária, que tinha no negócio a sua única fonte de rendimento. "Com todas as contas que tinha para pagar, decidi alugar. Mas além de não ter lucro, ainda tenho de meter dinheiro ", diz.
Ricardo Guimarães, diretor da Confidencial Imobiliário, explica que "tendo em conta a crise anterior [2008], o mercado de arrendamento é uma segurança", acreditando que, "para muitos, é uma forma de comprar tempo".
Hugo Magalhães, da agência de gestão de AL Super Anfitriões, garante que "este é um ano perdido". "A opção foi encaminhar as propriedades para um mercado de alojamento mais prolongado", explicou. Também Pedro Ferreira, da OX, colocou os 17 apartamentos na Baixa do Porto a arrendar. "Entre estar em AL ou em arrendamento é uma quebra de receitas de 70%", lamenta.
As agências imobiliárias confirmam a tendência. "Temos sido contactados por proprietários que pretendem migrar para o arrendamento de média duração, preferencialmente para contratos de um ano, uma vez que acreditam que esta mudança lhes permitirá atravessar esta crise", observa Joana Lima, responsável pelo segmento Reabilitação na Predibisa.
Para Ricardo Guimarães, este movimento será temporário. "A recuperação será tão rápida quanto a recuperação da economia e do turismo por ser um mercado que depende de diversos fatores".
Alexandra, por exemplo, ainda está a tentar controlar as perdas. "Admito que se não conseguir alugar ou se a procura não aumentar, terei de largar um ou dois dos apartamentos", sublinha.
Em Lisboa já se nota redução no preço das rendas
Em Lisboa, a colocação de casas que até à pandemia eram comercializadas para alojamento local no mercado de arrendamento de média/longa duração já provocou uma descida de preços, ainda que não muito acentuada. Numa rápida visita pelos sites de arrendamento, saltam à vista reduções entre os 8 e os 10% no caso de apartamentos T1. Mas o JN encontrou anúncios onde a baixa de valores é mais acentuada, como um T2+1 na zona histórica do Castelo, que dos 890 euros mensais passou para 600 (menos cerca de 35%).
"Já começámos a sentir essa redução dos valores pedidos pelos proprietários, mas acredito que ainda vão baixar mais", adianta Alan Borges, diretor comercial da Century 21 - Parque das Nações. "Principalmente, quando voltarmos à "normalidade" total, acredito que venham a entrar ainda mais casas e que, apesar desse crescimento da oferta, os preços baixem, porque as pessoas que hoje têm casas maiores vão perder rendimento e procurar soluções mais baratas", justifica.
A solução de adaptar alojamento local a arrendamentos mais longos para não "perder tudo" está a ser posta em prática por vários proprietários. Filipa Meirelles, responsável de comunicação do coliving "Samesame", à Praça da Figueira, no coração da Baixa Pombalina, explica que, devido à onda de cancelamentos, a estratégia passou a ser reservar um dos pisos - com cinco quartos individuais, sala e cozinhas comuns - para alugueres mais longos e a preços "mais virados para a média portuguesa". "Estamos a cobrar 600 euros mensais (com despesas incluídas), quando antes o valor passava dos 900", contabiliza.
espaços pequenos
Já Célia Aguiar, agente imobiliária da Remax Latina 2, confirma que "já se nota um ajustamento de preços nas zonas onde havia muito alojamento local". Mas não acredita que se venha a verificar uma queda abrupta de preços. Ainda assim, deixa o exemplo de um T3 no Príncipe Real, pelo qual há três meses se pedia uma renda de 1500 euros e agora está disponível por 1150. A agente observa, por outro lado, que muitas das casas de alojamento local não foram pensadas para habitação permanente, situando-se em zonas históricas de pouca mobilidade e com áreas muito pequenas, pelo que não acredita que estes venham a ser alocados definitivamente a arrendamento de longa duração. "São espaços com 16 m2 e às vezes menos. Não é o que um casal jovem precisa para viver", conclui.