Os pescadores e mariscadores estão preocupados com as restrições à apanha de bivalves na ria de Aveiro, que tornam o futuro cada vez mais incerto. Vários ponderam deixar a atividade e desaconselham os filhos a seguir a profissão. E há já quem passe fome, afirmam.
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Tal como o JN noticiou há dias, a zona entre a Barra (Ílhavo) e a ponte da Varela (Murtosa), a chamada Riav1, foi reclassificada para C, inviabilizando a apanha de várias espécies para comercialização em fresco, como é o caso da amêijoa-boa, da macha e da japonesa. Por causa disso, os pescadores estão limitados a outras zonas, que são mais pequenas, ou a outras espécies, como berbigão.
"Está difícil, porque a Riav1 é a maior zona e aquela que geralmente tem maior produção de bivalves", explica Raul Rebelo, pescador da Murtosa, sublinhando que, devido às dificuldades recorrentes em apanhar bivalves, seja por E. Coli (bactéria que indica matéria fecal), como desta vez, ou por toxinas, já desaconselhou o filho de lhe seguir as pisadas e não tira da cabeça a ideia de largar a embarcação para se tornar camionista. O pescador tem medo que as proibições se possam vir a estender a outras espécies ou zonas, deixando a comunidade piscatória "sem rendimentos".
berbigão a desovar
"O berbigão está agora a desovar e, nesta altura, costumávamos apanhar amêijoa", atividade que se estende até "agosto ou setembro", explica Manuel Salgado. "Para onde nos vamos virar? Muitos pescadores não têm outras artes", conta, sublinhando que há muitas despesas na atividade, como seguros, licenças e manutenção das embarcações. Pensa nas despesas, faz contas à falta de rendimentos e admite que já lhe passou pela cabeça "desistir". Não é vida que quer para os filhos.
O pescador António Carinha assegura que, se conseguisse uma indemnização do investimento que já fez no barco, era capaz de "fazer o sacrifício de ir para os bacalhoeiros". "Isto está cada vez pior, temos de pensar em alternativas", desabafa. Vários pescadores contaram ao JN que a situação está a "empurrar alguns para a clandestinidade", porque têm "despesas para pagar". Na Murtosa há centenas de pescadores e mariscadores que vivem da ria. Alguns, nomeadamente pessoas sem embarcação que percorriam as margens da ria a apanhar bivalves para as despesas do dia a dia, estarão a "passar fome".
Em Ílhavo, o pescador Maurício Nunes alerta para a "exploração tremenda" que vai recair sobre as outras áreas, caso as restrições na Riav1 se mantenham por muito tempo. A poluição que desencadeou a reclassificação daquela zona, acrescenta, é "muito grave" e estranha que as autoridades não averiguem a origem do problema e encontre "culpados", sobrando as consequências para quem tenta viver da ria.
Para que o IPMA levante a interdição, é preciso que 12 análises consecutivas (efetuadas a cada 15 dias) não detetem poluentes. Ou seja, será preciso pelo menos meio ano para aquela área da ria reabrir. Ao JN, o IPMA adiantou que a "classificação será novamente revista no final do ano".v
Pormenores
70% do mercado - De acordo com a Associação de Pesca Artesanal da Região de Aveiro, em circunstâncias habituais, a ria de Aveiro abastece cerca de 70% das necessidades do mercado nacional nas diferentes espécies de bivalves, nomeadamente berbigão mexilhão, amêijoa, longueirão e ostra-japonesa.
Maior área - Riav1 é a maior das áreas nas quais está subdividida a ria de Aveiro. Estende-se desde a entrada da Barra de Aveiro (no município de Ílhavo) até próximo da ponte da Varela (Murtosa).