Quando a dificuldade de prosseguir a vida após a perda de alguém próximo obriga a procurar ajuda, eles auxiliam.
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Por vezes, o luto pela perda de um ente querido vai além de um processo de superação de dor e mágoa. Prolonga-se e torna-se numa situação patológica. A Unidade Local de Saúde de Matosinhos (ULSM) tem uma consulta, no Hospital Pedro Hispano, para ajudar essas pessoas. Ali, há grupos específicos para pais que perderam filhos, filhos que ficaram sem pais e perdas conjugais.
No dia em que Andreia Silva falou com o JN, o filho faria 11 anos. Salvador morreu, em setembro de 2021, com um tumor no coração. Nunca recuperou de uma operação complexa. Acabou ligado a máquinas e, a certa altura, Andreia foi confrontada com a decisão que ninguém quer tomar: desligar as máquinas porque "já não era digno mantê-lo assim". Lembra-se do último banho que lhe deu e de ele, "louco por água", lhe ter dito: "Mãe olha como cheiro bem, estou a cheirar a flores".
Bárbara, 22 anos, visitou os pais numa quinta-feira e "revirou o quarto, mudando mobílias de um lado para o outro, cheia de força". No sábado seguinte ligou à mãe, Fátima Rebelo, a dizer que ia ao hospital com uma dor. Quinze dias depois estava morta, com um sarcoma dos tecidos moles. A mãe recorda-se de lhe ter prometido no dia antes de a colocarem em coma induzido: "Vai ficar tudo bem, vão tratar de ti".
SEM PARAR NA PANDEMIA
É para ajudar pessoas que têm de enfrentar este tipo de perdas que existe a consulta do luto da ULSM, orientada pelo psicólogo Rui Ramos e pela enfermeira Adelaide Ribeiro. A consulta de terapia em grupo existe desde 2015. Faz seis primeiras consultas por semana, a que se juntam 12 de acompanhamento e duas sessões de grupo de sete e oito pessoas.
"Esta foi a única consulta do Serviço de Saúde Mental que nunca foi interrompida durante a pandemia", lembra Rui Ramos. "Nem podia ser de outra maneira", reforça Adelaide Ribeiro. "O objetivo é dar resposta rápida aos casos que lhes chegam, 80% referenciados pelos médicos de família e 20% através dos cuidados paliativos". O tempo entre a referenciação e a entrada na consulta é de aproximadamente um mês.
Há muitos casos de perdas durante a pandemia de pessoas que não puderam despedir-se. Rui Ramos conta o caso de uma mulher cujo marido entrou na urgência com tosse. "Parece que vou fazer uns exames, depois digo-te algo". Foram as últimas palavras e nunca mais o viu. No funeral, estiveram apenas duas pessoas. "Eis uma circunstância que pode desencadear um luto prolongado. Uma situação absurda, em que o Mundo se torna numa ameaça", aponta Rui Ramos.
CURIOSIDADES
Mais mulheres
As mulheres estão em maioria nas consultas de grupo. Os homens, quando procuram ajuda, não pretendem instrumentos para lidar, por exemplo, com a dificuldade de dormir. Rui Ramos, contudo, prefere dividir as pessoas em "expressivas" e "instrumentais", sem olhar ao género.
Maioria supera
Segundo o psicólogo, cerca de 20% das pessoas fazem lutos prolongados (além dos seis a oito meses). Na nossa região, devido às relações familiares muito próximas, esse número é um pouco superior. Sociedades mais cosmopolitas, onde as pessoas vivem mais afastadas, não sofrem tanto com esse problema.