Diocese alienou cada uma das 15 casas nas Eirinhas por 15 mil euros. Moradores estão apreensivos com o negócio.
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Os moradores do Bairro das Eirinhas, no Bonfim, têm nas mãos a escritura da permuta das 15 casas por um apartamento T0, feita pela Diocese do Porto, e estão incrédulos: naquela zona do centro da cidade, entre a Igreja do Bonfim e a Avenida de Fernão de Magalhães, cada uma das habitações foi transacionada, no início deste ano, por cerca de 15 mil euros, um valor quase 20 vezes abaixo dos que têm sido praticados no mercado imobiliário.
O conjunto das habitações térreas, onde moram 45 pessoas e que fora doado ao Seminário de Vilar, foi alienado pelo total de 230 mil euros, valor que a empresa de construção da Póvoa de Varzim, com a qual a Igreja fez o negócio, atribuiu ao T0 que irá construir na zona da Boavista. Nas Eirinhas, onde os antigos inquilinos da Diocese vivem inquietos desde meados de janeiro, quando receberam a carta a informar que o novo senhorio seria a construtora, ninguém percebe os critérios que nortearam a transação.
Negócio "estranho"
"É tudo muito esquisito. E é estranho, numa zona "premium", serem transacionadas casas a estes preços, quando elas têm sido vendidas por 350 mil euros", afirma Emílio Borges, que vive com os pais num dos imóveis permutados pela Diocese do Porto, que, questionada pelo JN, informou que "não vai pronunciar-se" sobre o assunto. Como exemplo, o morador indica que uma habitação contígua ao conjunto e idêntica às permutadas, localizada no cruzamento com a Rua de Barros Lima, "foi vendida por 370 mil euros", havendo outra semelhante, nas imediações, alienada "por cerca de 300 mil euros".
Também o advogado que representa 12 famílias que, desde janeiro, receiam ser despejadas, estranha os contornos do negócio, considerando-o "pouco abonatório dos intervenientes". Para José Fernandes Martins, "é quase provocatório dizer que um bairro vale tanto como um T0 e fazer a troca", até porque - compara - "um terreno para construção no Porto não é vendido nem por 50 mil euros, quanto mais por 15 mil, e não é crível que um negócio destes tenha um valor de 230 mil euros".
Na escritura de permuta, a que o JN teve acesso, é indicado que as 15 casas estão inseridas num terreno de 834 m2, dos quais 510 correspondem à área de implantação dos imóveis.
De acordo com o estabelecido no contrato, datado de 10 de janeiro, a empresa com a qual a diocese fez o negócio "dá em troca", pelas 15 casas, "e na proporção de catorze quinze avos ao Seminário Menor de Nossa Senhora do Rosário de Vilar e de um quinze avos à sociedade Vilar Oporto Hotel, Lda., pelo valor total declarado de 230 mil euros", o "bem futuro". Ou seja, o apartamento a integrar no prédio que será construído na Boavista, sendo que "se prevê o prazo de 36 meses para a conclusão da obra" de construção do edifício.
O JN não conseguiu contactar a empresa com a qual foi feita a permuta.
Carta em janeiro
A permuta por um imóvel noutro local que não o das 15 habitações é, de resto, um ponto positivo que José Fernandes Martins vê na transação. "Se fosse um bem futuro a construir no local, seria sinónimo de pressão sobre os moradores. Ao dar de permuta um bem noutro sítio, pelo menos os moradores não serão incomodados para já", reflete o advogado, que tem acompanhado os residentes desde que, em janeiro, receberam uma carta da Ecclesialis - Gestão Diocesana, empresa que a partir do final de 2023 passou a gerir os arrendamentos das casas das Eirinhas em nome da diocese, a informar sobre a "transmissão do imóvel".
Autarquia
Câmara não pode exercer direito de preferência
Em fevereiro, quando o JN noticiou a transação, o presidente da Câmara, Rui Moreira, disse que o município não poderia exercer o direito de preferência por ainda não existir uma Operação de Reabilitação Urbana (ORU) na zona. Comprometeu-se a contactar a diocese, apesar das "decisões unilaterais" desta. A autarquia remete esse esclarecimento para depois de amanhã, e indica que "não deu entrada qualquer processo urbanístico" para o bairro.
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Testamento
O bairro foi doado por Laura Freitas Lima de Castro, que no testamento lavrado a 5 de junho de 1963, no Porto, "lega ao Seminário de Vilar desta cidade as casas que possui na Rua das Eirinhas". Os moradores entendem, por isso, que a alienação dos imóveis configura "um desrespeito pela vontade da senhora, que doou as casas aos padres".
Realojamento
O advogado Fernandes Martins diz que os arrendamento são antigos, pelo que, havendo construção ou obras, "os inquilinos com mais de 65 têm de ser realojados na mesma freguesia [Bonfim] ou freguesias limítrofes".