Agricultor de Idanha-a-Nova vive há sete anos um calvário e diz que foi "enganado" pela tutela da Agricultura. Relatório foi enviado pelo Governo para o Ministério Público.
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Um relatório da Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT) dá razão a Luís Dias, empresário que se diz lesado pelo Estado e que fez 28 dias de fome em maio frente à Presidência da República. Em causa está a recusa repetida de apoios europeus solicitados à Direção Regional de Agricultura e Pescas do Centro (DRAPC) para a reconstrução de 51 estufas de produção de amoras, na Zebreira, Idanha-a-Nova, destruídas pela tempestade "Ana" em dezembro de 2017.
Há sete anos que este agricultor e a sua ex-companheira dizem ser "enganados" por técnicos da DRAPC a quem acusam de "falsificar" o processo que começou com a candidatura ao programa "Jovens agricultores" até à intempérie que destruiu por completo a exploração, com escoamento de produto garantido, por contrato, para Inglaterra. Luís Dias colocou o Estado em tribunal, alegando "má-fé" e o processo corre no Ministério Público e no Tribunal Fiscal de Administrativo de Lisboa.
Foi o secretário de Estado da Agricultura e Desenvolvimento Rural, Rui Martinho, quem produziu o despacho para o Ministério Público. "Face ao teor do presente relatório parece-nos ocorrer pronunciação de atos delituosos e irregularidades, pelo que se deve proceder à respetiva participação ao Ministério Público para apuramento de eventuais responsabilidades em sede penal", pode ler-se.
EMOÇÃO E REVOLTA
O relatório inspetivo, concluído a 1 de outubro último, frisa Luís Dias, "dá razão à queixa de 2017 pelas falhas graves de técnicos da DRAPC e que nos infernizaram a vida". "Não consegui ler o relatório sem emoção e revolta. Estão ali descritos os nossos últimos anos. Temos vivido um longo calvário desde que quisemos montar este projeto agrícola em Idanha-a-Nova", salienta o empresário.
O relatório da IGAMAOT, a que o JN teve acesso, faz referência a "desconformidade legal" e a "orientações da tutela" para a recusa de atribuição de apoios, falta de respostas aos proponentes agrícolas e "responsabilidade disciplinar". "Esperamos, eu e a minha ex-companheira Maria José Santos, que este relatório dê um impulso ao processo que está no Ministério Público", diz Luís, admitindo estar endividado. "Tenho a casa penhorada, qualquer dia sou despejado, não vejo os meus filhos que vivem em Inglaterra há três anos, tenho vivido de uma pequena pensão, a quinta podia estar a produzir e ter mais postos de trabalho e não só tenho a minha vida profissional parada como o futuro comprometido. Estou desesperado, não aguento mais ", referiu ao JN.
E acrescenta: "Depois de conhecido este relatório, a Maria José enviou um e-mail a 14 de dezembro à ministra da Agricultura, a sugerir um acordo, um plano de recuperação para salvação da exploração agrícola "Quinta das Amoras" que permita a sobrevivência das pessoas". Mas foi o secretário de Estado que respondeu com "impossibilidade de pronúncia" enquanto a ação legal estiver pendente. "Como vamos retirar as queixas? Que garantias nos dão? Só queremos retomar o projeto, não queremos mais problemas, estamos cansados. E foi por continuar a falta de diálogo que recorremos à denúncia pública".
Uma nova greve de fome não está de fora dos planos de Luís Dias, desta vez em frente à casa oficial do primeiro-ministro, se "até final do ano não tivermos resposta".
Luís Dias queria conseguir apoio para produzir amoras
O caso arrasta-se desde 2014, quando Luís Dias e Maria José Santos se candidataram ao projeto "Jovens agricultores" para produção de amoras. "O primeiro problema começou aí. Tivemos de esperar 18 meses para nos atribuírem apoio e que este só viria se avançássemos com uma garantia bancária, uma exigência que não constava das regras do concurso".
O relatório dá razão aos queixosos e faz referência a "desconfiança na atuação" da Administração Pública neste processo de atribuição de verbas europeias. O IGAMAOT recomenda a execução de uma "auditoria de sistema" ao programa "Jovens agricultores".
Em 2017, "quando estávamos para iniciar a colheita, as estufas foram destruídas pela tempestade "Ana", tal como um relatório do Instituto do Mar e da Atmosfera (IPMA) comprovou e que o ministério ignorou quando pedimos apoio no âmbito da Medida 6.2.2. - "Prevenção e restabelecimento do potencial produtivo".
Luís Dias não desistiu, apurou que há fundamentos legais para o apoio apesar da recusa . O relatório faz referência que este problema foi tratado via eletrónica, sem diálogo com Luís e Maria José que tinham perante si um prejuízo na ordem dos 2,3 milhões de euros.
"Fomos perseguidos, passamos a ser pessoas mal vistas nas estruturas do ministério. Cada vez que procurávamos algo, assistíamos a um passar de culpas e por aí fora. Não queríamos privilégios, apenas o cumprimento da lei", diz Luís Dias, de ombros caídos, mas com "alguma energia para, em diálogo com o Ministério, recuperar os sete anos perdidos".
O filme do processo
2014 - Início
Instalação da Quinta das Amoras, em Idanha-a-Nova, no âmbito do programa "Jovens agricultores". Avançou com contestação ao pedido de garantia bancária, considerada "ilegal". Quinta esteve parada.
2016 - Anulação
Foi anulada por decisão do então ministro Capoulas dos Santos a exigência bancária e os agricultores puderam avançar com o investimento e com os trabalhos na quinta parada há dois anos.
2017 - Destruição
No ano da primeira colheita, a tempestade "Ana" destrói as 55 estufas e a quinta fica danificada. Luís Dias envia pedido de apoio concedido em vários outros territórios, mas foi negado pelo ministério, ignorando o relatório do IPMA atestando a ocorrência de um fenómeno extremo.
2021 - Greve de fome
Com o sonho agrícola parado, Luís Dias faz greve de fome durante 28 dias, que termina com a promessa do Ministério da Agricultura de que será pedido relatório inspetivo.
Out. 2021 - Relatório
Relatório dá razão a Luís e o secretário de Estado Rui Martinho Regional envia-o para o Ministério Público.
Dados
220 mil
euros foram atribuídos por Bruxelas no âmbito do programa "Jovens agricultores". O casal teria de dar 250 mil para cobrir a sua parte do investimento. A exigência "ilegal" de uma garantia bancária pela DRAPC fez subir os custos para 750 mil.
4
hectares é a área da quinta com regadio. A primeira colheita já tinha como destino Inglaterra, ao todo 80 toneladas de amoras.