Hospital cria associação privada para captar mais investimento, agilizar contratações e reter profissionais.
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O IPO do Porto está a dar o pontapé de saída para "uma nova era da investigação clínica em Portugal". Aproveitando legislação publicada no ano passado, o hospital juntou-se a instituições da cidade, públicas e privadas, para criar a PICO (Porto Innovation Cancer Organization), uma associação de direito privado sem fins lucrativos que vai gerir a investigação clínica. Com este novo modelo organizacional, que permite fugir à teia burocrática da gestão pública, deverá duplicar o número de doentes em ensaios clínicos nos próximos dois ou três anos. E poupar muitos milhões de euros.
A inspiração veio de Espanha, exemplo mundial na captação de ensaios clínicos para a indústria farmacêutica, e tornou-se exequível em Portugal com um despacho conjunto dos ministérios da Economia, Finanças e Saúde, publicado em fevereiro de 2024. O diploma permite aos hospitais do SNS transformarem os seus centros de investigação em associações de direito privado ou centros de responsabilidade integrados.
O IPO do Porto escolheu o primeiro modelo e ontem foi assinada a escritura pública da PICO, que conta com a Câmara do Porto, a Universidade do Porto, a Fundação Ilídio Pinho, a Fundação Manuel António da Mota, a Fundação Rui Osório de Castro e o Banco Carregosa como membros fundadores. "Parceiros estratégicos" para criar consciência na sociedade da importância da investigação clínica ligada à Saúde enquanto motor de desenvolvimento económico.
Sem as amarras da gestão pública, a PICO será mais célere a contratar profissionais, ganhando vantagem na captação dos ensaios clínicos. Refira-se que estes tratamentos experimentais são totalmente financiados pela indústria farmacêutica e, por isso, resultam em poupança para os hospitais.
Pagar melhor para reter equipas
No ano passado, o IPO do Porto teve mais de 500 doentes em ensaios clínicos e cerca de 170 ensaios ativos. Até 2028, serão mais de mil doentes a beneficiar da inovação e embora não seja possível estimar a redução de custos, porque depende do tipo de tratamento, o presidente do IPO do Porto assegura que serão "muitos milhões de euros" de poupança.
O modelo associação tem também a vantagem de permitir "fugir" às tabelas salariais da função pública e remunerar melhor os profissionais, evitando que emigrem ou sejam aliciados pelas multinacionais que pagam quatro a cinco vezes mais, explica Júlio Oliveira. Mas o mais importante da PICO, destaca o presidente do IPO do Porto, é permitir "antecipar em vários anos o acesso dos doentes a terapêuticas inovadoras".
"No caso de doenças graves, como as oncológicas, é muito importante controlar ou ambicionar a cura, e isso só se consegue com investigação", realça Júlio Oliveira, dando o exemplo de doentes com cancro de pulmão metastizado que entraram em ensaios clínicos na instituição, antecipando em cerca de cinco anos o acesso ao tratamento. Depois, "engataram nas terapêuticas entretanto aprovadas e comercializadas e vivem uma década".
Mais 30%
Em contraciclo na Europa, Portugal conseguiu aumentar os ensaios clínicos em 30% nos últimos dois anos. Mas a taxa de captação ainda é baixa: 3% a 4% dos ensaios a nível mundial.
Exemplos a Norte
O IPO do Porto é o primeiro hospital do SNS a criar uma associação de direito privado sem fins lucrativos para gerir a investigação clínica. Em Braga há uma iniciativa semelhante (2CA-Braga), mas nasceu quando o hospital era gerido em parceria público-privada.