Beatriz Gonçalves foi mãe e, quando queria regressar ao trabalho de administrativa, estava despedida. Solidariedade e justiça do Portugal precário, que ataca o espírito e o rendimento familiar. No Castêlo da Maia, uma nesga de cem metros quadrados na horta de subsistência dá-lhe algum alento.
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A horta ajuda a cortar nas despesas e poderá até vir a render algum dinheiro, pois quem ali cultiva está autorizado a vender no mercado local.
Anexa à Quinta da Gruta, onde há também um grande espaço do projecto Horta-à-porta, a horta de subsistência obriga a requisitos específicos: situações de desemprego, rendimento familiar anual inferior a 20 mil euros ou agregados com mais de três filhos.
"Quando me inscrevi na Lipor, já desempregada, nem sabia que ia haver esta horta", explica Beatriz, que "todos os dias, de tarde ou de manhã", passa algum tempo a tratar de legumes mais do que suficientes para o lar ("isto dá de tudo durante todo o ano"), algo que tem alguma importância nas contas lá de casa, até porque já deixou de receber subsídio de desemprego e ainda não tem trabalho.
O que mais destaca, porém, é o bem-estar anímico que consegue enquanto ali está, e a partilha: "Formou-se aqui uma espécie de comunidade, que troca produtos e experiências de vida".
Ninguém ali vendeu ainda um repolho que seja. A horta funciona apenas há um ano, e a generalidade das pessoas tem andado a aprender e a adquirir experiência. Já ao lado, na Quinta da Gruta, um espaço que combina áreas de lazer, de educação ambiental e a horta destinada a munícipes, ninguém pode vender o que colhe.
Mas também não é essa a ideia de Amélia Teresa Almeida, reformada da Câmara, que nada percebia de hortas e tem agora um dos mais cobiçados talhões: "Vinha para aqui de fita métrica, quando não estava ninguém a ver, para fazer tudo direitinho".
Ganhou o vício do cultivo, de ver as coisas a crescer, de calar com o sabor e a qualidade dos produtos um filho que pensava ser igual comprar no supermercado. E é uma agricultora à moda antiga, embora nada percebesse do assunto, plantando como mandam os almanaques: "Ainda agora pus alhos na lua velha, como dizem os antigos, que é a lua nova".
Todas as histórias das hortas comunitárias vão desaguar no mesmo. Relações de simpatia e de permuta entre os utentes, stresse despejado na terra com as mãos, orgulho por fazer algo acontecer, produtos frescos e gostosos na mesa. Assim é na Maia.