Há mais locais onde os jovens se juntam para acrobacias aquáticas. Travessia fica reservada para os mais experientes.
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O calor é muito e o ar quente torna o dia perfeito para ir a banhos, mas a pele arrepiada e o maxilar a tremer denunciam a temperatura gélida da água. Nas margens do rio Douro, que banha o Porto e Gaia, grupos de jovens juntam-se todos os dias para praticar as suas acrobacias aquáticas como se estivessem nos jogos olímpicos.
De Massarelos até à Foz, passando pela margem de Gaia, são vários os novos pontos de diversão onde os jovens passam as tardes de verão. A mente não se ocupa com receios e, nas águas escuras do Douro, os mais experientes ensinam a nadar os que ainda não sabem.
Noutros tempos, o sítio mais concorrido era o tabuleiro inferior da Ponte Luís I, mas agora, sem turistas para entreter, os jovens não hesitam em explorar outros locais.
Saltar para lá da linha do sol
Ali, no Cais do Lugan, na margem de Gaia, não há jardim nem espaço para esparramar os corpos ao sol. A "prancha de saltos" é curta e tudo tem de ser calculado ao milímetro.
"Só podemos saltar para lá da linha do sol", afirma Jorge Pereira, 20 anos, que, em jeito de treinador de bancada, alinha dois ou três "atletas" para demonstrarem algumas acrobacias.
Enquanto os voluntários se apressam a tirar as t-shirts e a decidir quem vai primeiro, Jorge descreve os "spots" de Gaia. "Onde houver sombra há pedras, por isso, sabemos que não nos podemos atirar para lá", explica o jovem, que aprendeu com os pescadores da zona quais os pontos mais fundos.
"Vir para o rio é outra coisa. Não há nada igual, isto aqui é tudo nosso", admite Jorge. "É uma adrenalina diferente e na praia não podemos porque não há sítios para saltos."
O ponto de encontro é sempre nas "Escadinhas de Gaia". Foi assim que batizaram o local os jovens que vêm de todo o lado. "Há muito tempo que não tínhamos um grupo tão grande", conta Jorge.
Apesar de já ter ido a banhos, não cede à adrenalina e à vontade de saltar. No ano passado deslocou o ombro ao bater na água. "Este ano já aconteceu o mesmo por isso não posso arriscar", lamenta.
Enquanto aguarda, lidera os grupos que se juntam e arriscam para lá do sol. Medos não há, porque a juventude não tem dessas barreiras. "Mas temos muito respeito", assegura Jorge.
O rio parece ser um lugar idílico onde apenas os "pequenos" mandam e as regras são quase nenhumas. E por isso é tão frequentado. Na outra margem, avista-se um grupo de adolescentes a saltar da plataforma do heliporto.
Massarelos
"Aqui ninguém nos chateia"
Tem mais espaço e mais privacidade. Dá para estender toalhas e ninguém ali vai para "chatear". Por isso mesmo é que vir de Vila d"Este, que fica do outro lado do rio, a uns 40 minutos de caminho, vale a pena. Além disso, fazer a viagem à pendura no elétrico é sempre uma aventura. Quem o diz é Rúben Marrios, o mais falador, atrevido e desembaraçado do grupo, que escolheu o heliporto em Massarelos, no Porto, para passar as tardes de verão.
"Vimos para aqui porque podemos estar à vontade. Pomos um som a dar nas colunas e ninguém nos chateia", conta Rúben.
Saltos "super-homem", saltos de cabeça, saltos com mortais, saltos de pés... Há para todos os gostos. E na zona de Massarelos há ainda outro local muito concorrido - o viaduto do Cais das Pedras. Mas só quando a maré está cheia.
Alguns já se magoaram, mas na maior parte dos dias corre tudo bem, confessa, na brincadeira, Rúben, que aos 20 anos já ensinou alguns dos mais novos a nadar. No rio! "Se eles não têm aulas de natação, não custa nada ensinar", atira.
É o caso de Leandro Moreira. Tem 14 anos, mas aparenta já estar perto da maioridade. Tem a pele morena, é reguila e destemido. À primeira vista parece ser um nadador experiente, mas a verdade é que aprendeu a nadar há duas semanas.
"Foi o Rúben que me ensinou a nadar aqui. Ao início tinha receio, mas depois do primeiro salto, nunca mais parei", admite Leandro.
Entre mergulhos e brincadeiras, o dia ficou preenchido com a descoberta de uma trotineta submersa que deu para uns minutos de galhofa. E Leandro até tinha uma ideia para fazer com que a trotineta parasse de apitar. "É só cortar uns fios por baixo da roda e já está!".
Como que a desafiar, mas a saber que os outros não teriam coragem, Rúben diz: "Dá um mortal com a trotineta!". E ri-se. Felizmente, nenhum deles teve a audácia de o fazer.
Da Ponte Luís I não são fãs. É para os mais experientes, contam os adolescentes. E para os turistas. "Não se lembra daquela senhora brasileira que se atirou de lá nua? [vídeo que circulou na Internet]", troça Rúben.
A fazer mortais "desde pequenino"
A câmara fotográfica atraiu a atenção de Miguel Almeida. "Pode fotografar-nos a saltar para a água?", pergunta o pequeno, com as mãos atracadas debaixo das axilas numa tentativa falhada de as aquecer. E abeira-se para voltar a mergulhar.
Aqui, o tempo parece ter uma distância diferente. "Desde pequenino que faço mortais aqui", diz Miguel do alto dos seus 14 anos, rodeado de amigos no Cais do Marégrafo, na Foz do Douro. A assistir às acrobacias está Serginho, que veio até ao Marégrafo sozinho aproveitar a tarde quente de sábado, mas que repara que as coisas não são como "antigamente". "Isto antes era só malta do bairro e agora é só betos da Foz", atira enquanto se abana ao som da música que anima o convívio.
É artista da Ponte Luís I, mas agora prefere a Foz. "Isto para mim já não é nada, mas agora ninguém vai para a ponte", admite.
A cidade muda, mas as tradições mantêm-se. O rio continua a atrair dezenas de adolescentes e, ocasionalmente, alguns adultos, pela adrenalina, pela privacidade e pela sensação de que o rio Douro lhes pertence.