Licenciada integra projecto de captação da gralha-de-bico-vermelho.
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O projecto de conservação da gralha-de-bico-vermelho levou para a serra dos Candeeiros uma jovem licenciada em engenharia agro-pecuária. É a nova pastora da Cooperativa de Chãos e a seu cargo tem 62 cabras serranas.
O tempo corre devagar, sempre ao som do vento e do sol abrasador. Encosta acima, encosta abaixo, Sara Pereira acompanha o passo lento das 62 cabras serranas em pleno Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros (PNSAC). Munida de cajado e de mochila às costas, onde carrega a merenda, esta jovem, de 26 anos, dá os primeiros passos na arte da pastorícia.
Desempregada depois de ter terminado o curso, Sara decidiu concorrer ao projecto de conservação da gralha-de-bico-vermelho, que há algum tempo não é avistada por aquelas paragens. Sente-se "enquadrada" e garante ser "gratificante" abraçar um projecto destes. Admite, por isso, que o seu projecto futuro passe mesmo pelo contacto com a serra.
As três semanas de trabalho que já leva têm sido dedicadas à pesquisa e por isso não tem acompanhado muito o rebanho. "O que custa mais é subir a serra", admite, revelando "ainda ser cedo" para fazer qualquer tipo de balanço desta nova profissão.
A sua função neste projecto é monotorizar a alimentação do rebanho, controlar a vegetação e desenvolver depois a ordenha e a queijaria.
A acompanhá-la está Rui Duque, 29 anos, que tem apenas o 11º ano de escolaridade. O fascínio pela natureza levou-o a concorrer ao projecto e a conhecer o pastor Joaquim, personagem com mais de 70 anos, que conhece como ninguém a arte da pastorícia. Foi ele que o ensinou. "Já começo a ter alguma cumplicidade com o rebanho, falo com as cabras constantemente e elas sentem que estou aqui para as proteger", revela Rui, admitindo que sente "falta" quando não sai com o rebanho.
A maioria das vezes está sozinho e aproveita o tempo "para divagar as ideias". Vai tirando fotografias a aves e plantas, aprecia a paisagem e toma conta do rebanho. "No início tinha medo que fugissem, agora já estou mais habituado", sustenta.
Sobre esta dupla de jovens pastores - escolhidos entre 32 candidatos licenciados - recaem as expectativas de sucesso de um projecto da Quercus e da Vodafone, que está a ser gerido pela Cooperativa de Chãos, no concelho de Rio Maior. O objectivo é fazer regressar à serra dos Candeeiros a gralha-de-bico-vermelho, uma espécie protegida e que está ameaçada.
"O abandono da pastorícia originou a degradação do habitat natural desta ave, que outrora nidificava em algares", explicou ao JN António Frazão, um dos gerentes da Cooperativa. Segundo o responsável, a criação de um rebanho comunitário - que poderá ter entre 150 a 300 cabras - servirá para monitorizar os cerca de 300 hectares de terreno, por forma a que a gralha regresse à serra.
O projecto "tem a validade de cinco anos" e representa um investimento de 150 mil euros. "O rebanho e a área onde pastam vão sendo monitorizadas, por forma a percebermos se temos ou não de intervir", explica António Frazão, revelando que as gralhas-de-bico- vermelho comem larvas e insectos.
"São os excrementos do rebanho que vão criando condições para estas espécies surgirem", afiançou, revelando que este projecto "permite também a monitorização da própria flora".
"O habitat das gralhas-de-bico- vermelho é composto por mato rasteiro e por pequenas plantas como o tomilho, orquídeas e gravínias", adianta ainda António Frazão.