“Justiça lida com autarcas como se fossem criminosos”, diz Eduardo Vítor Rodrigues
“É uma vergonha, para um país, que um autarca esteja na iminência de poder perder judicialmente o mandato por ter levado o carro da Câmara à padaria. Se este é um país que tolera isto, então pela minha parte foi um grande gosto, mas adeus”, disse Eduardo Vítor Rodrigues, após a sua última reunião do Executivo de Gaia.
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As declarações foram feitas aos jornalistas, esta segunda-feira de manhã, depois de ter apresentado o relatório das contas consolidadas do Município.
Garantindo que não renuncia ao mandato de presidente da Câmara desiludido com a política, apesar do “lodo em que alguns tentam transformá-la”, o socialista afirmou, por outro lado, que “a Justiça lida com os autarcas como se fossem uns verdadeiros criminosos à solta”, o que tem tornado os políticos “receosos”.
“A ideia de que, por qualquer razão, se pode entrar em casa de uma pessoa e fazer buscas domiciliárias e procurar no meio da gaveta das cuecas montes de notas, é esmagador e demolidor. Depois, não se queixem que a democracia esteja como está e como tende a ficar”, avisa o autarca, garantindo ser “certo” que o seu futuro não passará pela política.
“Políticos assustados”
“Saio com a convicção de que os políticos estão, hoje, um bocadinho mais cobardes, no sentido da ação política. Estão mais receosos e assustados com a ideia de fazerem aquilo que tem de ser feito, e preferem gerir o quotidiano”, observa Eduardo Vítor, que anunciara em maio a renúncia ao cargo, dias depois de o Tribunal Constitucional confirmar a perda de mandato e a meses de terminar o último de três mandatos à frente da autarquia.
Em fevereiro, o autarca já manifestara a intenção de deixar a presidência, invocando que o procurador do Ministério Público que o acusou de uso pessoal de um carro do município é marido de uma autarca e dirigente do PSD. Pede, agora, que se “reflita” sobre “a degradação das instituições”, e diz que, em Gaia, a Oposição, além de “impreparada”, tem feito “o trabalho debaixo da mesa, da sujidade e da destruição de pessoas”.
“Tenho a sensação de que a minha saída serve, em primeiro lugar, para dizer à Associação Nacional de Municípios e ao Governo que importa legislar, porque um país em que as suas instituições fundamentais se afirmam pela guerra uns contra os outros, num país em que a Justiça se deixa manipular por denúncias anónimas e por jogadas de bastidores, não é um presidente de câmara que está em jogo, é a democracia”, sublinha o autarca, assegurando que deixa o cargo “com uma tranquilidade muito grande”.
“Podia perfeitamente esperar pelo final do mandato, apesar de o meu processo ter sido sempre muito mais ágil do que outros, mas não quero. Quero mesmo que as pessoas saibam que tem de haver alguém que reflita sobre isto, sob pena de, mais dia menos dia, termos à frente destas instituições quem não se importe de que lhe chamem ladrão, porque se calhar até o é e não tem vergonha nenhuma. Eu tenho vergonha de participar num processo em que a degradação das instituições é evidente”, vinca.
SABER MAIS
Aprovação
Aprovado com dois votos contra do PSD, o relatório das contas consolidadas irá à Assembleia Municipal de sexta-feira.
Investimentos
O autarca lembrou ter encontrado a Câmara com “300 milhões de euros de dívidas”, em 2013. Tem, agora, “20 milhões de euros de saldo orçamental” e “cerca de 50 milhões de euros em obras em curso”. Eduardo Vítor Rodrigues afirma que “são as melhores contas consolidadas de sempre”.
Sucessão
A presidência da câmara será assumida pela atual vice-presidente da Câmara, Marina Mendes.