Após dois anos de interregno devido à pandemia, o cortejo da Latada voltou a encher as ruas do Porto na tarde deste domingo. Trajados a rigor e com latas coloridas agarradas ao corpo, milhares de estudantes desceram a rua de Camões sob o olhar orgulhoso e atento dos pais e avós. O desfile, que marca o fim da semana de receção ao caloiro, é uma forma de dar a conhecer os novos estudantes à cidade.
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Com dezenas de latas azul bebé agarradas ao corpo e os cânticos estudantis na ponta da língua, João Afonso desce a Rua de Camões, no Porto, a correr. Está rodeado de colegas que, tal como ele, frequentam o primeiro ano na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. À sua frente, seguem os alunos de Medicina. Atrás, os de Engenharia. Todos entoam músicas alusivas à faculdade onde estudam e, com latas de diferentes cores, pintam as ruas do Porto sob o olhar atento e orgulhoso dos pais e avós, no desfile da Latada. O cortejo, que não se realizou nos últimos dois anos devido à pandemia, marcou ontem o culminar da semana de receção ao caloiro. Foi uma forma de dar a conhecer à cidade os novos estudantes.
João Afonso, que frequentou o primeiro ano de Engenharia Física, não esconde o orgulho e a felicidade por fazer parte do cortejo. "As minhas primas foram formadas na Faculdade de Ciências e eu ia sempre ver os cortejos delas. Sempre quis fazer parte", contou ao JN, já com a voz rouca.
João Afonso tem um colar de latas ao pescoço. Na preparação do cortejo, percorreu os cafés perto de casa em busca por latas vazias de refrigerante. Depois, demorou um dia para pintá-las. "Isto é muito importante. Só somos caloiros uma vez", disse o estudante.
Ao contrário de João, Luís Negrão já não é caloiro. Enverga um traje negro e passa o testemunho aos mais novos. "Esta é a primeira demonstração conjunta pública pelas ruas do Porto, em que as faculdades podem competir um pouco entre si com as músicas e o barulho. É criar aquela "pica" saudável", afirmou o estudante de mestrado em Ciências da Computação.
Eduardo Silva, da Faculdade de Farmácia, completa: "Esta é uma apresentação dos novos estudantes à cidade e uns aos outros. Os caloiros da Academia do Porto estão todos juntos e mostram um pouco do seu curso. As suas cores, as suas músicas, os seus valores", afirmou o jovem, que orientava os caloiros. Atrás de si, era possível ler-se mensagens como "quem manda neste terreno é o Ibuprofeno" ou "o veneno da academia", numa alusão aos medicamentos.
Devido às obras do metro, este ano, o cortejo partiu da Rua de Camões rumo à Trindade, após passagem pelos Aliados. De telemóvel na mão, os familiares e amigos dos estudantes concentraram-se nos passeios para gravar o desfile. Foi o caso de Felicidade Ferreira, mãe de um aluno de Engenharia civil: "É um orgulho!"
Carrinho passa por gerações
Cinco anos separam os cortejos da latada de Carolina Freitas e Eduardo Silva. Ela é caloira na Faculdade de Farmácia, ele está no sexto ano de estudos. No entanto, há um elemento comum que marca os cortejos de ambos: um carrinho de compras "com umas sirenes" que passa de geração em geração entre os alunos.
Tomás desfilou como "minion"
Batizado como "Gru, o maldisposto" na praxe por "andar sempre maldisposto", Tomás Campos aceitou um desafio dos colegas mais velhos: participar na latada vestido de "minion". O estudante frequenta o curso de engenharia de sistemas. "A praxe ajuda na integração. Estamos divertidos e a fazer amizades", disse.
João sempre quis entrar na latada
A vontade de João Afonso em participar numa latada já é antiga. Surgiu quando ainda não estava na faculdade, ao ver as primas desfilarem no cortejo. "Já sabia para o que vinha: correr com as latas todas e fazer barulho", referiu o estudante, de 18 anos, que recolheu as latas em cafés perto de casa e com a ajuda da mãe.
20 horas a fazer chapéu de latas
Mariana Silva é conhecida com "quinceanera" em praxe. Quando lhe falaram na latada, não hesitou em criar um chapéu ao estilo mexicano. O acessório, que saltou à vista no desfile, demorou 20 horas até ficar concluído. "Abri as latas a meio e fiz moldes para construir este chapéu", contou.
"Não tinha noção do que isto era"
Conceição Duarte não esconde a emoção e o orgulho ao ver a neta desfilar. Feirante de profissão, Conceição ajudou a neta, estudante de Imagem Médica e Radioterapia, na preparação da latada. Conseguiu recolher 99 latas e ainda fez um colar e um cinto com o material. "Não tinha noção do que é que isto era. Mas é muito bonito. Nem há palavras para descrever isto. O meu maior gosto era ver a minha neta na universidade", afirmou a mulher, de 67 anos.