ANAFRE exige ao Governo o aperfeiçoamento da legislação para evitar que a situação se repita em 2025. O cumprimento da lei da paridade na formação dos executivos é, muitas vezes, um obstáculo ao entendimento.
Corpo do artigo
Quase dois meses depois das eleições autárquicas, dezenas de juntas de freguesia do país ainda não têm executivos instalados. Na maior parte dos casos deve-se à falta de acordo entre os eleitos. Como a lei 169/99 é omissa na definição de um prazo para a instalação dos órgãos autárquicos, as reuniões sucedem-se, as soluções são invariavelmente rejeitadas e o impasse mantém-se.
Jorge Veloso, presidente da Associação Nacional de Assembleias de Freguesia (ANAFRE), refere que o problema abrange freguesias de norte a sul. O JN questionou o Ministério da Administração Interna sobre a quantidade destes casos no país, mas fonte oficial referiu que a Administração Eleitoral só tinha conhecimento do caso da freguesia de São Mamede de Ribatua, em Alijó, onde o novo executivo não entrou em funções por ausência de acordo para a composição.
Falta de acordo
Em São Mamede, o presidente eleito pela coligação PSD/CDS-PP, Mário Vaz, disse ao JN que, perante a falta de acordo após várias reuniões, e sempre por alegado incumprimento da lei da paridade, a solução foi a marcação de novas eleições. Há executivos de juntas por instalar em muitas mais freguesias do país, como é o caso de Mascarenhas, em Mirandela, e de Perre, em Viana do Castelo.
Jorge Veloso não tem dúvidas que a única solução é "alterar a lei das autarquias locais". É que a atual "é omissa", ou seja, "não tem um prazo para que as assembleias de freguesia decorram". "Podem realizar-se 10, 20 ou 30 reuniões e, mesmo assim, continuar a não se conseguir chegar a acordo" para a instalação dos órgãos.
A ANAFRE reuniu, recentemente, com o secretário de Estado da Administração Local e com a Direção-Geral das Autarquias Locais, e aguarda "proposta de aperfeiçoamento da lei", para que estes casos não se repitam após as eleições autárquicas de 2025. "Prometeram-nos que iria ser breve".
Desculpa inaceitável
A perfeição que aquela associação persegue vai mais além: "Há muitos executivos que não estão a respeitar a lei da paridade e há impugnações sobre a composição de outros. Não pode haver um executivo de três homens, nem um de três mulheres", sublinha Jorge Veloso, acrescentando que "a desculpa de que a mulher que estava na lista não está disponível não pode pegar".
É este o caso de São Mamede de Ribatua. Para além de Mário Vaz como presidente, o executivo da Junta teria um segundo elemento masculino da sua lista e o terceiro teria de ser uma mulher. Havia três nos sete elementos eleitos para a Assembleia de Freguesia. Duas foram rejeitadas e uma não se mostrou disponível para o cargo. Perante a falta de acordo sucessiva, a solução passará por realizar novas eleições, ainda sem data.
Intercalares
3 novas eleições
A 12 de dezembro realizam-se em Esqueiros, Nevogilde e Travassos, em Vila Verde. Em Ribeira, Terras de Bouro, serão a 26 de dezembro, e na Touça, Vila Nova de Foz Côa, no dia 9 janeiro de 2022.
A saber
Presidente propõe
O presidente da Junta é o primeiro candidato da lista mais votada para a Assembleia de Freguesia. Os vogais são eleitos na primeira reunião da assembleia, entre os seus membros, mediante proposta do presidente.
Problema sem fim
"Se for preciso ir a eleições outra vez, vai-se"
Em Perre, não há entendimento na formação da Junta e da Assembleia de Freguesia
No quadro atual, independentemente de o presidente da Junta estar eleito, se não houver uma demissão dos eleitos para a Assembleia de Freguesia para obrigar a realizar novas eleições, o problema arrasta-se. Garcia Gonçalves, habitante de Perre, em Viana do Castelo, fala de cima do muro do seu quintal, com um engaço na mão: "Estamos sem governo. Eles devem entender-se. Se for preciso ir a eleições outra vez, vai-se. Eu torno a ir. Nós o que queremos é uma Junta que olhe por nós".
O impasse na formação do executivo e na Assembleia da Freguesia, que se arrasta desde as eleições, tem dado que falar na aldeia.
Paula Arieiro, presidente, foi eleita (pela primeira vez) pelo movimento independente "Gostar de Perre", com mais 123 votos do que a segunda lista mais votada, a da coligação PSD-CDS. Elegeu quatro mandatos e a lista opositora de Direita, encabeçada por Eduardo Ferreira, outros quatro. Uma terceira candidatura da CDU, liderada por Glória Felgueiras, elegeu um.
Reuniram-se a 14 de outubro e foi votada uma proposta de Paula Arieiro, para o executivo apenas com membros da sua lista, que obteve quatro votos a favor, dois contra e três brancos. A equipa da Mesa da Assembleia teve quatro votos favoráveis e cinco brancos. Levantaram-se vozes que defendem a validade dos votos brancos nas contas da votação e a partir daí dividiram-se as águas.
Paula Arieiro alega que tem a equipa de governação formada com base num parecer jurídico que "validou a eleição que se fez tanto do executivo como da Mesa no dia 14". "Tenho o meu executivo formado e já informei a oposição. Fui a mais votada e, como tal, é a mim que me cabe escolher com quem quero trabalhar", afirma. A coligação PSD-CDS quer estar representada. Eduardo Ferreira remeteu a discussão para a próxima reunião, mas afirmou que "está alinhado com a posição de Glória Felgueiras da CDU". Ao JN, a comunista declarou: "O que considero ser democrático é que estejam representadas as forças eleitas".
"Têm de se entender. É uma vergonha para o povo"
Impasse entre presidente eleito e oposição arrasta executivo em Mascarenhas
A oito quilómetros de Mirandela, a freguesia de Mascarenhas, com cerca de 600 habitantes, vive um impasse na instalação dos órgãos da Assembleia de Freguesia e na eleição dos vogais para o executivo. O PS ganhou as eleições, mas sem maioria. Elegeu três mandatos, contra quatro da oposição (dois do CDS, dois do PSD).
O povo dá sinais de insatisfação. "Algumas aldeias também tiveram o mesmo problema, mas resolveram", diz uma habitante, que não se quis identificar. Beatriz Esteves alinha pelo mesmo discurso. "Já era altura de se entenderem. É uma vergonha para o povo".
O braço de ferro começou na primeira reunião. O presidente de Junta eleito, Manuel Gomes, apresentou duas propostas que foram rejeitadas. Uma semana depois, outra reunião sem consenso, mas Manuel Gomes não aceita as condições da oposição que quer um vogal do CDS e outro do PSD. "Nessas condições, não é possível governar uma freguesia. Ficaria em minoria no executivo e na assembleia". "Eles querem é tomar conta do poder. Para isso tinham de ganhar", frisa o presidente, garantindo: "Não vou renunciar porque o povo não quer".
Agora, vai convocar nova reunião e gere a Junta com serviços mínimos. "Tenho comigo o anterior secretário. Fazemos pouca coisa, como limpar o cemitério, ruas e pouco mais", conta.
O CDS não vê outra saída senão as eleições intercalares. "Perante este impasse, o que será mais correto é uma gestão administrativa durante seis meses e depois marcar eleições", afirma José Mesquita, presidente da Concelhia do CDS,
O cabeça de lista do PSD, Fernando Pintor, também entende que a oposição deve estar no executivo. "Não sei porque existe este braço de ferro do presidente. Não tem maioria, não pode exigir que as pessoas viabilizem os vogais que ele quer", refere