Timorenses e argelinos entre os que mais vivem na rua. Associações falam num novo tipo de refugiados.
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O número de sem-abrigo aumentou, no último ano, em Lisboa, e "o perfil mudou muito". São sobretudo estrangeiros, principalmente argelinos, timorenses e pessoas oriundas da América do Sul. "Esta realidade mudou muito. Em 2021, o nosso gabinete só fez 17 atendimentos a pessoas estrangeiras em situação de sem-abrigo durante o ano todo. Em 2022, ultrapassamos os 800. Tem sido um desafio", revelou, ontem, Flávia Tourinho do Alto Comissariado para as Migrações, no debate "A crise das pessoas em situação de sem-abrigo em Lisboa".
Embora ainda não haja dados oficiais do número de sem-abrigo de 2022, João Marrana, assessor da vereadora dos Direitos Sociais da Câmara de Lisboa, disse, ontem, que a Autarquia tem "a perceção que aumentou muito o número de pessoas a viverem na rua".
O perfil dos sem-abrigo também "mudou de uma forma muito evidente". "O número de estrangeiros a dormir na rua ultrapassou muito os nacionais e são muito imprevisíveis. Chocou-me a presença de um número tão grande de argelinos, já para não falar dos timorenses, que são literalmente despejados na cidade para trabalharem em redes. É todo um fenómeno novo", salientou.
Vir com esperança
No debate, que decorreu na Biblioteca Camões, em Lisboa, José Madeira Serôdio, da Cáritas, confirmou que "está a surgir um novo tipo de refugiados, ucranianos e timorenses e muitos da América do Sul".
"Aterram hoje no aeroporto e amanhã já estão a bater à porta da Cáritas a pedir vestuário e alimentação. Vinham com a esperança de encontrarem um país de sonho, emprego e casa, mas muitas vezes a solução acaba por ser ir para dormitórios. Nestes quartos, moram duas ou três famílias que não têm intimidade nenhuma", explicou José Madeira Serôdio, referindo-se às pessoas em situação de sem-abrigo vindas da América do Sul.
Américo Nave, presidente da associação Crescer, também mostrou preocupação com o "aumento de pessoas estrangeiras nas ruas" e disse que é preciso olhar de outra forma para os sem-abrigo, menos estigmatizante, para se evitar situações de "300 pessoas a viver no mesmo sítio, respostas desadequadas para as pessoas encontrarem trabalho", alertou.
"Temos de melhorar muito as respostas no sentido de adequá-las ao que as pessoas precisam. Há uma cidade que tem investido imenso no Housing First (programa que dá casa a sem-abrigo) e, ao mesmo tempo, abre centros com 200 pessoas", exemplificou ainda Américo Nave, acrescentando que fala com pessoas em situação de sem abrigo que estão há 40 e 50 anos na rua". "Isto não é admissível", lamentou.