Livraria avança com projeto cultural e literário em aglomerado habitacional típico do Porto. Ideia é envolver os moradores, mas abrindo o espaço a visitas e a iniciativas, como tertúlias.
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A Livraria Lello, no Porto, quer comprar uma ilha na cidade para ali desenvolver um projeto ligado à cultura literária, envolvendo os moradores.
A ideia surgiu durante o estado de emergência provocado pela pandemia, altura em que a Lello, como qualquer outro estabelecimento, se viu obrigada a fechar portas e a "repensar" o modo de funcionamento, o tipo de turismo que se quer para a cidade e para os portuenses. E, em breve, os livros não vão estar confinados apenas ao espaço da emblemática casa de editores.
O projeto da empresa é criar mais ligações a partir da livraria. A compra do Teatro Sá da Bandeira insere-se nesse objetivo. Assim como a de uma ilha, ainda viva e genuína, "com alma portuense" e onde os moradores terão o papel principal.
"O tempo em que estivemos fechados foi importante para pensar e repensar a nossa estratégia. O turismo do futuro tem de passar por formas sustentáveis, tendo em conta os recursos humanos, a alma dos locais, a sua cultura, a arquitetura. Por isso queremos comprar uma ilha. Não para criar um projeto imobiliário, nem uma "Disneylândia", mas para dar à cidade um projeto humano e cultural onde os seus habitantes são convidados a participar", refere Aurora Pedro Pinto, administradora da Lello.
A explicação pode ser contraditória com a imagem a que se assiste à porta da livraria, das longas filas de turistas que vão regressando ao Porto por estes dias, que pagam bilhete para entrar, num espaço muitas vezes vedado, por essas mesmas circunstâncias, a muitos portuenses. "É necessário, dado os enormes gastos que temos para ter a livraria neste estado. Ainda agora, durante o estado de emergência, aproveitámos para fazer alguns restauros", conta a responsável.
preservar o património
O importante para a empresa é a preservação do património e permitir aos visitantes "uma experiência diferente". Por isso, anda ainda à procura da "ilha da fantasia". Esse poderá ser um dos temas, uma vez que a Lello tem muitas primeiras edições famosas, como a do Peter Pan, da Alice no País das Maravilhas, das Aventuras de Pinóquio ou de O Feiticeiro de Oz.
"Queremos um espaço genuíno e com vida. Queremos famílias, mas não queremos invadir a vivência delas. Queremos apenas que se envolvam num projeto diferente, que seja dinâmico para o espaço habitacional e contribuir para um dia a dia melhor", refere a administradora. Um local que poderá ser visitado pelos turistas, mas também servirá para leitura e tertúlias, com editores, escritores, leitores e residentes da ilha.
Quando ler era proibido
"É curioso sabermos hoje que, nestes locais criados na era industrial para receber a mão de obra das fábricas, muitos dos residentes gostavam de ler, mas foram proibidos de o fazer pelos patrões com medo que tais conhecimentos levassem à contestação. São essas histórias que queremos contar", diz Aurora Pedro Pinto.
Também o Teatro Sá da Bandeira, adquirido no ano passado por 3,5 milhões de euros, vai entrar em breve em obras. Além da atividade teatral, estará ligado à Lello, numa verdadeira teia, onde o mais importante são os livros.
Da Lello ao Sá da Bandeira, passando pelo imobiliário
Apesar da autora J. K. Rowling ter afirmado recentemente que nunca esteve na Lello, o "mito" de que a Livraria Lello & Irmão teria servido de inspiração à saga Harry Potter deu-lhe fama internacional. Sob gestão desde 2015 do empresário Pedro Pinto, também administrador do centro empresarial Lionesa, o negócio livreiro ganhou novo fôlego e a entrada passou a ser cobrada. Em 2017, Pedro Pinto comprou outros cinco prédios na Rua do Loureiro, no Porto, onde estão situadas a Pensão Douro, a Confeitaria Serrana, a Casa Arcozelo. O Teatro Sá da Bandeira, comprado no ano passado, e o edifício vizinho da Lello, o da confeitaria Bela Torre, também fazem parte do património.
São ilhas, mas não são tropicais
Construções típicas da cidade
As ilhas são construções típicas da cidade: quase sempre são filas de casas, pequenas e térreas, construídas na parte traseira das habitações burguesas ou pequeno-burguesas. Proliferaram a partir da segunda metade do séc. XIX para albergar os trabalhadores da indústria. Gente oriunda de concelhos limítrofes, como Valongo, Gondomar e Gaia, mas também de municípios minhotos, durienses e beirões.
Continuam a existir quase mil ilhas
Continuarão a existir hoje quase mil ilhas, praticamente todas privadas (há apenas três municipais). Umas quase em ruínas, desabitadas, mas muitas ainda ativas e vivas e onde moram mais de 10 mil portuenses, cerca de 4,4% da população da cidade. Um levantamento da Autarquia estimou que para recuperar mais de oito mil alojamentos deste tipo seriam precisos 32 milhões de euros.
Algumas recuperadas para alojamento local
Muitos senhorios estão a recuperar as casas dotando-as de melhores condições de habitabilidade. Há interessados em ali morar, sobretudo gente jovem. Outras estão a ser recuperadas e colocadas ao serviço do turismo, como alojamento local. A oferta de estadia varia entre as ilhas totalmente remodeladas e as em estado puro. Os preços variam entre os 40 e os cem euros/noite.
Ainda não encontrámos o espaço perfeito para o projeto. A Livraria Lello lançou um pedido de sugestões onde todos podem dar ideias e opiniões quanto à localização da futura Ilha dos Livros, através do email: ilha@livrarialello.pt
Aurora Pedro Pinto, administradora da Lello