Com vários donos de estabelecimentos, velhos centros comerciais são geridos como condomínios. A clientela fiel também é essencial para manter as portas abertas.
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"É tudo original", confirmava, a olhar em volta, a solitária administradora do Centro Comercial Cedofeita, sem imaginar que acabara de condensar num adjetivo toda a definição do espaço, desde o edifício com mais de quatro décadas até ao atual conceito das lojas que ali moram e que vão mantendo vivo o segundo maior shopping a abrir no Porto.
À deriva, algures entre os finais da década de 1970 e os dias de hoje, os pequenos centros comerciais que despontaram na senda do entusiasmo gerado pelo icónico Brasília, inaugurado em outubro de 1976, continuam à procura de um lugar no mercado. Mas viveram tempos áureos nos anos 1980, depois de o estrondoso sucesso do imponente edifício envidraçado entre a rotunda e a Avenida da Boavista fixar a Invicta como a morada do primeiro shopping da Península Ibérica.
Já na década de 1990, sofreram com o surgimento dos centros comerciais de grande dimensão e, esquecidos, foram perdendo clientes e entraram em decadência. Foi assim que Maria Teresa Pinto encontrou o Centro Comercial Cedofeita, há 12 anos, quando assumiu a administração do espaço - gerido como um condomínio - disposta a reverter o declínio. E conseguiu repovoá-lo, apesar de o shopping ser o mesmo de há 40 anos.
É como se entrássemos numa cápsula do tempo e imergíssemos no Porto de 80: lojas minúsculas, estruturadas em alumínio - algumas plantadas no meio dos corredores, quais aquários -, tetos baixos, as escadarias em matéria plástica preta, em relevos de riscas ou bolas, dos idos de 1970 e 1980, os mosaicos da época e o chão em mármore mesclado de rosa, branco e cinza, como o do mítico Brasília, que abriu dois anos antes.
"Colecionismo e arte"
Maria Teresa Pinto avisa logo que ali "não vai haver obras", ao contrário do que acontecerá no Brasília, com remodelação apontada para 2022. Em Cedofeita, o segredo é adaptar os negócios ao tipo de espaço, que continua a ser um testemunho vivo das décadas que se seguiram ao 25 de Abril, marcadas por mudanças nos hábitos de consumo.
"Pegámos nisto na grande crise e foi muito duro, porque este centro ficou sem ninguém. Tínhamos cinco, seis lojas ocupadas, e houve um processo de repovoamento. Tivemos de criar alguma linha de orientação, porque o espaço já não poderia ter o mesmo tipo de comércio. Os negócios têm de ser nichos de mercado, e criámos a linha dos usados, do colecionismo e da arte. Também há uma preocupação grande com a sustentabilidade, e temos cá a Fruta Feia", descreve a administradora, que dividia a gestão das 112 lojas - muitas só abrem à tarde - e 49 escritórios, de 150 proprietários, com um colega, mas acabou por ficar na função a solo.
"Procuramos a diferenciação e vamos subsistindo dentro dessa linha de orientação, com tudo o que seja fora do comum e não exista noutros lados", resume. Como o estúdio de design de Maria Isabel Quaresma ou o Clube de Colecionadores de Gaia, que organiza expo-feiras. A promoção de eventos, como mercados, feiras e exposições é, aliás, uma das apostas da administração, para "potenciar os negócios e dar-lhes visibilidade". E a receita "tem todo o futuro", vaticina Maria Teresa Pinto, que voltou a ter "lista de espera" para ocupação de lojas, após a crise gerada pela pandemia ter levado à desistência das "15 a 20 pessoas" que aguardavam vaga para o centro onde nasceu a histórica loja de discos Jo-Jo's, já extinta.
Serviços são futuro
No também vintage Centro Comercial Londres, perto da estação de metro da Senhora da Hora, em Matosinhos, há desânimo e alguma esperança. A desilusão tem o rosto de Manuela Moura, da Tabacaria Galáxia, que mora ali "desde o primeiro dia", em 1982, e tinha a loja deserta em tarde de registo de jogos de milhões. "Vai-se mantendo com as pessoas que vivem por aqui", resigna-se.
A administração do centro, que, tal como resumira Maria Teresa, em Cedofeita, faz "uma gestão de condomínio comercial e de serviços, a tentar gerir vontades", antevê uma mudança de rumo gradual. Que já está a acontecer, com o aparecimento de mais escritórios e serviços: das 250 lojas, apenas 60 são de comércio, e a taxa de ocupação supera os 90%, contabilizam os administradores Alfredo Fernandes e Renata Gonçalves.
"Chegou a ser o terceiro maior do país e o segundo do Norte, mas parou no tempo", diz o empresário, que fez "uma tese de mestrado sobre centros comerciais de primeira geração", criando um "plano de negócios" assente na reconversão desses espaços para "centros de serviços".
"Estes centros eram uma novidade [há 40 anos]; era o conceito que veio de França. Viveram um período de glória até 1988, e nos anos 90 começou o declínio. Ficaram como fantasmas estes anos todos, porque quem os geria não pensou em soluções alternativas", analisa.
Perto da Câmara de Gaia, o Centro Comercial D'Ouro está inserido num prédio de habitação, tal como o Londres. E até é administrado por uma empresa de gestão de condomínios. Sofia Silva, que tem ali um café, esclarece: "Isto são galerias; tem o nome de centro comercial, mas não está registado assim". Para a "cake designer" Cláudia Almeida, do Porto, o D'Ouro foi a oportunidade de arrendar um espaço comercial a um preço suportável. Mas, como o Londres, a maioria da ocupação "é na base de muitos escritórios", aponta Manuel Guedes, da loja de vestuário Sevilha.
Outros espaços
CC Stop
Situado na zona oriental do Porto, o Stop foi inaugurado em 1982 e na década de 90 atingiu o pico do declínio. Foi revitalizado a partir de 2000, quando as bandas de música se tornaram nos principais inquilinos das antigas lojas.
Invictos
Surgiu em 1976, perto da Praça dos Poveiros. No piso térreo continua a funcionar um supermercado e, em cima, o cabeleireiro Anjos Urbanos vai levando gente às galerias.
Galerias Lumière
Projetadas pelo arquiteto Magalhães Carneiro, as Galerias Lumière surgiram em 1978, chegaram a ter duas salas de cinema.