Cuidadora apresenta queixa da Santa Casa da Misericórdia de Arruda dos Vinhos em tribunal, por alegadamente não ter cumprido indicações.
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Esmeralda Rodrigues mal podia imaginar que, quando deixou a filha na Unidade de Cuidados Continuados Integrados (UCCI) da Santa Casa da Misericórdia de Arruda dos Vinhos, para ser operada, Mariana não voltaria para casa. A morte da jovem, com 95% de incapacidade, foi-lhe comunicada por telefone a 16 de março, sem que fosse explicada a causa do óbito. Empenhada em fazer justiça, pediu a abertura de um inquérito ao procurador do Tribunal de Torres Vedras, por suspeitar que a filha foi vítima de negligência.
Inconformada, Esmeralda Rodrigues, 59 anos, conta ao JN que deu indicações precisas para Mariana, 25 anos, dormir sempre de barriga para baixo, ser sentada com as costas da cadeira reclinadas, e não ser alimentada deitada. Para que não restassem dúvidas, foi fotografada a demonstrar os procedimentos a seguir, para que a filha não entrasse em sofrimento. "Ensinei-as a virar a Mariana e expliquei como tinham de colocar as almofadas e os lençóis, porque fazia movimentos bruscos e podia cair da cama", justifica.
Apesar das recomendações, a cuidadora informal garante que ligou todos os dias para a Santa Casa da Misericórdia de Arruda dos Vinhos e que lhe asseguraram que a jovem tinha dormido bem, mas de barriga para cima. "Pedi, por amor de Deus, para não fazerem isso", recorda. "Suspeito que não respeitaram as minhas indicações e a menina esteve em sofrimento aquelas três noites". Acredita, por isso, que morreu engasgada, asfixiada ou devido a uma queda.
Olhos a pedir socorro
Logo no primeiro dia em que foi deixar Mariana à UCCI, Esmeralda teve a intuição de que algo não estava bem. Depois de se reunir com a diretora técnica, voltou a ir ter com a filha e encontrou-a desesperada. "Estava branca como cal, ensopada em suor, com o cabelo a pingar, e os olhos a pedir socorro", garante. "Sentaram-na na cadeira direita e não viram que ela estava naquela aflição", lamenta. "Reclinei a cadeira e ela recuperou logo", afirma. Quando regressou mais tarde, a jovem "estava semideitada e bem-disposta". A mãe ficou mais tranquila, mas manteve-se sempre em contacto com a instituição.
Três dias depois, quando se encontrava a recuperar da cirurgia, em casa, no Cadaval, uma médica da UCCI telefonou e disse-lhe: "A Mariana já não está entre nós". Face aos gritos de dor da mãe, a clínica limitou-se a dizer que ia passar a certidão de óbito. "Pensaram que não ia fazer nada, porque me ia ver livre da minha filha", afirma Esmeralda Rodrigues. Embora nunca lhe tenham dito a causa da morte, acredita que algo de errado se passou.
"Apesar de ser muito magrinha, tinha o rosto muito inchado, um traço negro e os olhos negros, sobretudo o direito", relata. "Sinto-me culpada, porque a levei para a morte. Tiraram-me a alegria". Com paralisia cerebral, Mariana não falava, nem andava, mas a mãe, que sempre cuidou dela, assegura que percebia tudo.
Reações
Instituição alega sigilo profissional
Mafalda Silva, diretora técnica da Santa Casa da Misericórdia de Arruda dos Vinhos, alega o "dever de sigilo profissional" para não comentar o caso da morte de Mariana, que "lamenta profundamente". No entanto, assegura que são prestados "sempre os melhores cuidados a todos os utentes integrados na unidade".
Manuel de Lemos, presidente da União das Misericórdias Portuguesas, confirma ao JN que "a unidade de Arruda dos Vinhos é conhecida pelas boas práticas". Embora desconheça a situação em concreto, falou com o provedor, que lhe garantiu que a morte da jovem "não tem nada que ver com más práticas", conclusão a que chegou com base no relatório técnico a que teve acesso.
Quanto ao facto de a mãe desconhecer as causas da morte da filha, Manuel de Lemos explica que "legalmente, a instituição tem de prestar contas ao centro de saúde [Cadaval] e, normalmente, também à família". Refere ainda que "a transferência da menina para a rede tem de vir acompanhada de um conjunto de indicações escritas" sobre o seu historial clínico. Contudo, diz que Esmeralda Rodrigues tem o direito de recorrer ao tribunal.
Pormenores
Bananas podres
Quando os bens de Mariana foram devolvidos, Esmeralda constatou que as bananas estavam podres e que a pasta de dentes, apropriada para a filha a poder engolir, estava selada, o que a deixou indignada.
Fazer justiça
Transtornada, a cuidadora só mais tarde decidiu que o corpo devia ser autopsiado, para confirmar as suspeitas de negligência. A sua principal preocupação é fazer justiça.
Sabia que ia buscá-la
A jovem percebeu que ia ficar na UCCI apenas alguns dias. "Não ficou a chorar, nem a gritar, porque sabia que eu a ia buscar. Não morreu de desgosto, mas porque alegadamente não cuidaram dela", acredita Esmeralda.