Marcha de Alcântara: "Ainda não acreditamos. Digo que fomos campeões e pedem-me para dizer a verdade"
Em Alcântara, esta manhã de quinta-feira, os marchantes ainda não acreditavam na vitória que atribuíram aos novos ensaiadores. A Marcha de Alcântara conquistou o primeiro lugar pela primeira vez, depois de ter ficado pelo menos oito vezes em segundo lugar nos últimos anos.
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"Eu dizia que fomos campeões e pediam-me para dizer a verdade", contava empolgada, repetidamente, Mara Brito, a outros marchantes, também a própria ainda a tentar acreditar. Para uma das mais antigas, a desfilar desde 2000, o prémio "é um sonho realizado". "É uma conquista que já esperávamos há muito tempo. Todos os anos a batalhar a ver se conseguíamos e foi este", diz orgulhosa Mara que, nos últimos três meses, "ensaiava até à 1 hora da manhã e depois ia trabalhar às 5 horas". "Sem esforço nada se consegue", sorri a marchante, de 45 anos, com dois filhos e uma sobrinha também na Marcha de Alcântara.
Ainda incrédulos, a reviver a noite mais longa do ano de Lisboa num dos espaços onde treinaram, muitos justificavam a vitória com os novos ensaiadores, Mafalda Matos e Vítor Kpez. "O mais impressionante é que foi a primeira vez que coreografaram uma marcha popular. Puxaram muito por nós e talvez por serem novos sentimos mais pressão para não falhar. Acho que tivemos uma marcha fora da caixa, renovaram sem tirarem a essência e a tradição", atira Tiago Madureira, 27 anos. "Ainda sinto que estou a sonhar".
Marcos Nunes, 44 anos, acredita que terem sido a única marcha a ter "um holograma 3D" com imagens de Alcântara fez a diferença. "Isto nunca foi visto numa marcha, é muito original", comentava orgulhoso o porta-estandarte, enquanto recordava vídeos da marcha e ainda assimilava o prémio. "Ainda nem acreditamos, mas algum ano tinha de ser. Já merecíamos. Andávamos sempre ali resvés", diz, de sorriso largo, explicando que já tinham ficado muito perto desta conquista, pelo menos oito vezes em 2º lugar.
"O meu pai foi porta-estandarte durante 20 anos e era brasileiro, o que não era tão comum há uns anos em Lisboa e ainda por cima nas marchas, por isso queriam sempre entrevistá-lo. Desde que ele faleceu, há 16 anos, fiquei com o lugar dele", conta ainda. O filho, Pedro Nunes, 13 anos, já quer seguir as pisadas do pai, mas "está à espera de ter idade para ir". "A marcha é um orgulho para o bairro, tem muito significado. Quero ser porta-estandarte como o meu avô e o meu pai e espero convencer os meus filhos a irem também".
Para Vânia Pires, 32 anos, há 19 marchante, a vitória teve outro sabor. "A minha mãe desfilou a avenida grávida de mim e eu também desfilei grávida da minha filha, que agora já marcha também, é a marchante mais nova. É uma explosão de alegria, felicidade, nervos, é difícil explicar", diz emocionada.
A marcha de Alcântara é das poucas que tem uma "lista de espera enorme" de pessoas para entrarem, uma vez que a maior dificuldade, nos últimos anos, tem sido encontrar marchantes, com a expulsão de vários moradores da cidade de Lisboa para as periferias. "Esta marcha tem um ambiente muito familiar e quem entra já não quer sair. Eu ainda consegui marchar com o meu pai, a minha mãe, tia e prima. Sermos uma família, haver entreajuda e comunicação é o nosso segredo", acredita Vânia.
Vários prémios
"Por mais que corra a tinta, Alcântara é o bairro com mais pinta" foi o tema escolhido pela marcha vencedora, "inspirado na arte de pintores e artistas que encontram no bairro de Alcântara um espaço para se expressarem". A Marcha de Alcântara arrecadou os prémios de "Melhor Desfile na Avenida", "Melhor Coreografia" e "Melhor Cenografia", estes dois últimos partilhados com a Marcha de Marvila. Estas duas, juntamente com a Marcha de Alfama, conquistaram ainda o título de "Melhor Figurino".
"O nosso tema é sobre os antigos pintores de Lisboa, que eram conhecidos por saberem muitos segredos da vizinhança porque ouviam tudo e temos segredos na letra", conta Paulo Moreira, 40 anos, marchante que também já andava a sonhar com a vitória há algum tempo.
"Em 2021 atingimos o segundo lugar e sentimos que, por várias vezes, Alcântara já merecia o prémio. Este foi um ano de renovação e acho que merecíamos", conta o ex-morador de Alcântara, que teve de ir viver para a Amadora, à semelhança de outros participantes da marcha, por ser cada vez mais difícil viver em Lisboa (por causa do aumento das rendas). "Apesar de muitos já não viverem cá, temos sempre a sensação que pertencemos ao bairro e a marcha é uma forma de continuarmos ligados ao sítio onde crescemos", diz ainda Paulo, para quem a conquista poderá ter outras explicações. "Este ano, uma menina chamada Vitória marchou pela primeira vez. O nome da nova marchante pode ter sido um presságio", conclui.